A simpatia e o sorriso da atriz agora se misturam com seu sotaque
pernambucano e já não lembram mais a mulher forte do filme que acaba de ser
exibido. Hermila Guedes é a protagonista de "O Céu de Suely", que
abriu o Festival de Cinema de Campo Grande. A jovem de 25 anos fez questão de
participar do evento e viajou 12 horas para chegar à capital
sul-mato-grossense.
No filme ela interpreta Hermila, 21 anos, que retorna à sua
cidade natal, no interior do Ceará, após ser abandonada pelo namorado. Ela
decide, então, rifar seu corpo para sobreviver e iniciar uma nova vida.
A atriz é a nova musa de Karim Aïnouz. Em seu segundo filme,
dirigiu "Madame Satã" em 2002, ele agora lança mão de uma edição onde
os tempos longos e enquadramentos inusitados também fazem parte da história.
"O Céu de Suely" é um filme de silêncios.
A idéia do longa, que traz uma crítica social, surgiu de uma
notinha de jornal. A partir daí, Karim Aïnouz misturou sua história a outras
que ouviu e o resultado pode ser visto nas telas de alguns cines artes do país.
Assim, como Hermila, a personagem, Karim também viveu com a
tia e a avó. Ele levou os atores e toda a equipe para Iguatu, no Ceará. As
atrizes tiveram suas roupas confiscadas e começaram a viver e a se vestir como
as personagens.
Na hora de gravar as cenas, Karim substituiu o famoso
"Ação" por "Continuando". A escolha de utilizar os nomes
dos atores nos personagens veio dessa idéia de fazer a ficção mais real.
Georgina Castro, que interpreta uma trabalhadora do sexo no longa, também veio
a Campo Grande para abertura do festival. A atriz conta que a experiência foi
única e gratificante e que muitas vezes se confundiu com a personagem. No
elenco do filme estão ainda os atores João Miguel, Marcélia Cartaxo e Flávio
Bauraqui.
A protagonista, Hermila Guedes, revela que a entrega foi
total e que considera estranho ver os 88 minutos de filme já que gravaram 42
horas. "O Karin teve de escolher qual filme ele queria, é um pedacinho do
que a gente fez", diz a atriz, que usa vestido moderno e grampos para
prender o cabelo.
Hermila revela que a equipe do longa vivenciou Iguatu, e que
a cidade não teve de parar por causa da produção, mesmo tendo muitas moradores
atuando como personagens do filme. A atriz conta que gosta de desafios, mas diz
que teve dificuldade nas cenas de nudez. "É quase uma pessoa arreganhada",
fala, em meio a uma gostosa gargalhada.
Ao assistir ao filme naquela noite, ela garante que passou
da fase da autocrítica para conseguir pensar dentro do filme. "Nos
debates, também tem comentários que são legais, faz te ver o que você não
viu". Naquela noite, uma pessoa da platéia a fez perceber que os homens do
filme são passivos e que são as mulheres as protagonistas da história.
Rodado em 2006, "O Céu de Suely" já acumula vários
prêmios no Brasil e no exterior. O longa recebeu os prêmios de melhor filme e
melhor atriz (Hermila Guedes), no Festival de Havana, em Cuba; troféu Redentor
de melhor filme, melhor diretor e melhor atriz (Hermila Guedes), no Festival do
Rio; e melhor roteiro, mérito artístico e o prêmio FIPRESCI, no Festival de
Salônica, na Grécia.
Uma nova estrela
A atriz interpreta sua primeira protagonista em "O Céu
de Suely" e diz que ao terminar o trabalho teve a sensação de missão
cumprida, mas se mostra surpresa com a reação das pessoas e da crítica. Ela
avalia que teve sorte em começar em filmes que estimulam as pessoas a pensarem
na realidade do país. "Quero fugir dos filmes comerciais".
Ela é considerada hoje uma das grandes revelações do cinema
brasileiro. Uma responsabilidade que a atriz diz receber com muita
sensibilidade. "Sei que ser considerada uma promessa é muita
responsabilidade, pois é viver o sonho de muita gente", ressalta.
Hermila começou fazendo cinema e não fez teatro.
"Acredito que isto me possibilita interpretar com mais realidade. Deixo
minha intuição me guiar", confessou. Ela esteve também em "Entre
Paredes", de Eric Laurence, e no longa-metragem "Cinemas, Aspirinas e
Urubus".
Aclamada pela crítica, Hermila Guedes recentemente
interpretou a cantora Elis Regina no especial da TV Globo, surpreendendo pela
semelhança e interpretação. Até então ela tinha medo de fazer TV por considerar
difícil. No entanto, não teve como recusar o convite para interpretar Elis
Regina. "Tinha medo porque achava que ia ser difícil e foi. Em duas
semanas tive que fazer uma mulher intensa, trocar meu sotaque pernambucano pelo
gauchês dela", argumenta.
Ela diz que valeu pela homenagem, mas que queria ter
vivenciado mais para a interpretação. "Me ferrei. É muito difícil
mesmo", confessa. Quanto a novelas, Hermila diz que não pode morrer falando
que não gosta sem nunca ter feito. "Vou fazer para saber como é, mas quero
que as pessoas continuem vendo o personagem e não a atriz, que é o que acontece
quando se faz TV", avalia.
Hermila segue agora para o teatro com a peça "Noite
Feliz". Nasce uma grande estrela que já brilha no Céu. E nesta noite o céu
é todo dela, o céu é de Hermila.
Já, o longa "O Céu de Suely" é um filme sem
globais, de baixo orçamento que pode ser resumido pelas palavras da atriz:
"Não diz nada e diz tudo ao mesmo tempo".
O festival de Cinema de Campo Grande segue com a exibição de
mais de 40 filmes até o dia 11 de fevereiro. O Cinecultura está localizado no
Pátio Avenida, que fica na Avenida Afonso Pena, 5.420. Mais informações sobre o
festival no site www.cinecultura.com.br ou pelo telefone 3027-5858.
Entre Aspas: Se fica agarrado ao que tem agora nunca vai
saber o que a vida poderia te dar depois.