quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Os dias

Já não crio dias. Conto. E dos números sei pouco. Para mim, eles sempre foram mais enigmáticos do que exatos. As horas teimam em não passar. Os ponteiros pesam nos minutos do relógio. Nos segundos, sou aflito. E tento não habitar na ansiedade dos milésimos de segundos. Missão difícil.

- Passa rápido!, me dizem todos. Mas é só a demora que eu vivo. Distante, sozinho, estranho, - estrangeiro -, estranhando. E que dia é hoje mesmo? Já faz 40 que estou aqui. Faltam dois para a metade da viagem e outros 44 para voltar. Minha vida é contar. E quando regressar vou precisar de outras invenções para os dias...Que horas eles vão chegar? 

(10-07-2013)

Tirou a cabeça do calendário, colocou a saudade no bolso e foi ali ser feliz. (ainda não era verdade, mas foi um começo)

(11-07-2013)

Mas agora eu tô aqui. (adotei o mantra toda a vez que pensasse no porvir e funcionou)

(12-07-2013)

Entre Aspas: Existe uma hora perigosa na tarde. Clarice Lispector.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Toca Raul!


Entre caveiras, caixões e paredes negras com estampas coloridas, a banda toca o legítimo rock britânico. São 20 horas. Lá fora há luz. Aqui a fumaça e o ambiente escuro simulam a noite. A banda de cabeludos empolga os roqueiros de plantão. Na plateia, locais, estrangeiros e estranhos em geral. Do meu lado, dois grandões de cabelos longos e loiros chacoalham a cabeça. – Estou realmente em Londres, penso. Para me contradizer ou confirmar, um deles dispara em bom português:  – Toca Raul! Eram brasileiros...

Nunca fui mega fã do Seixas, mas ele é o cara (no Brasil ou em qualquer lugar do mundo). E para mim está mais atual do que nunca...Aliás, tudo que quero é dizer o oposto do que disse antes:

Preciso de terapia, quero fazer tatuagem, sou carente, não sou racional, namorar é importante, penso em casar, (...), quero ter religião, estou careca, não sou confiável, tenho vulnerabilidades afloradas, pretendo morar em São Paulo por mais anos (será¿), penso em morar fora... Na verdade, não sei o que quero do futuro. Não tenho certezas, só dúvidas. E meu teclado não tem ponto de interrogação...
(10-07-2013)

Entre aspas: Não existe atalho para a vida que eu quero. Do filme “Educação”


terça-feira, 28 de maio de 2013

Quando a vida para


Os passos apertados, a pressa dos carros, o relógio que teima em não parar. O tempo parece disputar uma corrida e nos leva para longe, para frente e sem sinais de pestanejar. Mas já perceberam que, ás vezes, a vida para? E nada do que urgia passa a fazer sentido.

 

No quarto de hospital, o agora paciente repensa seus atos, suas relações, tenta se fortalecer para voltar ao circuito. A dor de garganta de uma semana virou um câncer na outra. E nesse pedaço de mundo, a vida parou para comemorar a primeira palavra que pronuncia após a cirurgia. O braço que está mais desinchado. O ar que entra mais suave nos pulmões.

 

O que está lá fora perdeu sentido, seja o carro que lhe espera, a conta de luz com uma nova taxa, a casa fechada que empoeira...O filme agora é um retrato do 711, as gotas que caem do soro, a enfermeira que trocou de plantão e voltou para cuidá-lo, a cortina que treme na janela (...)

 

Na cozinha do apartamento os amigos se reencontram num bate-papo animado azeitado pelo cheiro de cebola e bacon que fritam na panela. Os casos, o trabalho, a família e os novos amigos vão sendo ressignificados numa conversa regada com piadas internas, abraços afetuosos, risos sinceros e um almoço que faz mais sentido no fazer do que no ficar pronto. A vida se passa ali naquele quadrado e eles parecem não se importar mais com o resto.

 

Da cama vem os pedidos para que o mundo pare e tudo se resuma aquele momento e que possam viver todos os seus dias trocando carinhos. Ele descobre uma nova pinta no corpo amado, que teima em lhe provocar atiçando seu ponto mais sensível. Riem, se abraçam, se beijam. Os pés, as mãos, os órgãos genitais...nada se desgruda. Tem cócegas no bumbum. Sente aflição ao ser tocado na nuca. De repente se dão conta que não dá para ficar presos nesse quadrado e vão tomar banhos juntos. Um dá banho no outro. E o que mais faz sentido? Se amam e só querem ficar congelados nesse ato.

 

Mas do quarto do hospital, da cozinha ou da cama, todos precisam sair e acelerar de novo. Só para depois esquecer de tudo, brecar e curtir a brisa do tempo parado. E no fim é para esse não-tempo que todos nós caminhamos.

 

(3 de maio de 2013)

 

Entre Aspas: Não há intimidade maior do que o silêncio. Clarice Lispector.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Montanha russa

Travas de segurança soltas
Mãos para o alto.
Cabelos ao vento
Grito na garganta.
E está sendo ótimo!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

2012: a estabilidade das mudanças

Foi um ano sem sobressaltos, sem crise, de novo emprego e de surpreender-se com as mudanças à volta. Começou na conhecida praia de Copacabana, mas terminou tão diferente... E o mundo nem acabou. 2012 foi o ano de estabilizar, de alcançar aquelas metas tão sonhadas em períodos anteriores. Gostei mais de São Paulo, amei mais, tenho amigos aqui tão importantes na minha rotina, que já nem sei como é viver sem eles.

O carnaval foi no Rio, mas praticamente sem folia. A páscoa foi aqui. O dia das mães em Campo Grande. O dia do trabalho em BH. Não podia deixar de ir para Paraty na Flip.
Tomei chuva em Ubatuba. Revisitei um outro Rio no feriado da República e descobri as maravilhas da Amazônia em Alter do Chão (PA), num dos melhores réveillons que já tive(!).

Todo ano falo que fui mais adulto no ano anterior. Mas 2012 foi de consolidação. 2013 chega pouco afoito, sem a necessidade de grandes passos. É tempo de curtir as coisas conquistadas, sentir o vento batendo no rosto e recarregar as energias antes de subir a montanha. Aquela ruptura sentida no fim de 2012 talvez seja uma libertação de crises juvenis e de amarras com a família, que parecem ter mesmo ficado só na lembrança.

Fui menos a Campo Grande (e fiquei menos tempo lá nas vezes em que fui). Sinto menos falta da cidade. Ganhei maior estabilidade financeira. Em casa, a Marcelle, amiga campo-grandense com quem dividia as contas, as histórias da vida e algumas das refeições e agruras de SP, deixou de morar comigo.

Pouca coisa me abalou de verdade no ano que passou. A estabilidade é também emocional. Foi mesmo o ano do “sim” e 2013 é tempo de reafirmar votos. Que ele siga com essa aparente calma e ternura interna. E que reserve momentos tão encantadores como os de seus primeiros dias. Pode chegar, que a gente vai calma e firmemente navegando por águas já conhecidas.

E como disse no Facebook:

O crescimento vai ser de algo em torno de 1%, mas diante do cenário negativo, 2012 foi um ano muito especial por aqui. De consolidação, sem crises, de aumento de estabilidade, de novos empregos e sensação de maturidade fiscal. E assim como o mercado, espero que o crescimento acelere em 2013, que as crises externas apaziguem, que aumentem as relações internacionais e que seja mais do que um ano de aumento de capital e de novas fusões (como se anuncia), mas de realização de sonhos, amor, paz e ótimos momentos para compartilhar com os amigos e família. Obrigado 2012, vem com tudo 2013!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Do sutil

Viviam uma vida pacata. Jantavam juntos às nove vendo novela, adoravam comer brigadeiro no fim de semana. Ele cozinhava, ela lavava as louças. Ele trocava as lâmpadas, ela os tapetes. E a relação se dava instintivamente, numa harmonia invejável para os demais casais.

Numa noite, ela pediu que ele virasse o abajur para o seu lado para que pudesse ler o livro que ganhara. Foi o tom da voz dela que fez com que algo se estilhaçasse. Não foi o abajur, nem a lâmpada, mas a aura que existia em torno da mulher. Ele passou a vê-la mais turva e agora parecia outra. Era ela que sempre comandava seus atos. Onde antes havia consonância, ele via a mão pesada da esposa dirigindo e provocando seus atos.

Ele passou a resistir aos comandos. As discussões se tornaram frequentes. O casamento de anos começou a minguar. Até tentaram insistir, mas tudo acabou com ela decidindo quem ficava com o quê. Ele agora bebe no balcão solitário do bar e vive da procura do que perdeu. Espera poder voltar a sentir a métrica harmoniosa de uma canção enquanto caminha.

Entre Aspas 1: Todo o meu horizonte vital se povou, e se tornou mais denso, mais úmido, mais crispado.

Entre Aspas 2: Uma admiração não volta; nós a perdemos para sempre.

As duas frases são de Nelson Rodrigues.