sábado, 26 de junho de 2010

Aos 30, as pessoas são perigosas – assassinas em potencial


É um samba que virou marchinha e se encaminha para ser valsa. Há paixão, ódio e juventude acumulados. Uma unidade interior, uma malícia no ar. Já sabe como se divertir, o que lhe dá prazer (e isso tira todo o frescor das descobertas). Não que já saiba tudo, mas essa canja torna-se um limite imaginário.

– Já tem 30 anos, não tem idade mais para... – grita a sociedade em sua direção.

Há o estabelecido e o por vir. Não lhe dão direito de errar como o jovem, nem de ser extremamente brilhante e virar referência como é concedido aos que já têm mais de 40.

É um dueto, menos doce, mais grave, que dança, gravita. Habita as primeiras rugas, as últimas espinhas. O último cigarro, o primeiro sopro. O último frescor, as primeiras asperezas. É o auge e a decadência. Com isso, estão sempre a um passo de se vangloriar pelas suas realizações ou sucumbir a um fracasso acumulado. Deixa de ser promessa e passam a lhe exigir pronta-entrega. De filho precisa virar pai. Um carro, uma mulher, uma casa e uma dívida no banco. Uma viagem ao exterior, status na profissão e sem porres no fim de semana.

É um adulto, adúltero, corno... e exibe tudo isso com um ar cheio de si. Possui conhecimento de si mesmo, caráter definido e vivência o suficiente para, por exemplo, decidir matar alguém. E isso não será um rompante juvenil ou o recalque de quem se amargurou e decidiu fazer isso depois dos 40. É, portanto, um ato consciente. Plenamente. E ele tem muita vida e alguma juventude para pagar pelo crime. É isso que os torna perigosos.

[Talvez, aos 30, descubra que nada muda. Mas esse texto me atormenta para vir para fora e preciso concebê-lo. Talvez só para daqui um pouco mais de meia década descobrir o quanto se é juvenil aos vinte e poucos e o quanto ter 30 é menos um peso e mais um número. Mesmo assim, cuidado: aos 30, eu, você, nós, podemos matar ou morrer (sem enganos?).]

PS: A potencialidade das pessoas de 30 em serem assassinas pode ser canalizada para se tornarem suicidas.

Entre Aspas: A mulher pode ter qualquer idade. Não o homem. O homem não pode ter dezoito anos, ou quinze. Aos dezoito anos, não sabemos como se diz “bom dia” a uma mulher e não podemos fazê-la feliz, em hipótese nenhuma. Para o homem, o amor não é gênio, não é talento, e sim tempo, métier, sabedoria adquirida. Fiz as considerações acima para concluir: – o homem devia nascer com trinta anos feitos. Nelson Rodrigues.

sábado, 19 de junho de 2010

Depois que o sol se vai

A lua já terminou sua escalada e agora se exibe inteira e luminosa. Um brilho de quem quer encantar aqueles que só pensam em sua própria escuridão tentando abafar seus silêncios com uma profusão de barulhos.

Tentativa que vai se mostrando em vão. À medida que a noite cai e o frio chega, todos vão tendo que se recolher e conviver consigo mesmo. É aí que a noite começa de verdade!


Estação

Nem sempre conseguimos descer do trem depois do aviso e antes que a porta feche. Podemos sorrir ou chorar. Mas o trem continuará a viagem e outros virão.

domingo, 13 de junho de 2010

O caminho da literariedade

Era um menino que gostava de escrever. Adorava os telejornais, o caderno infantil dos jornais, os gibis e os livros. Os textos eram sempre criativos, longos, fluídos e elogiados pelos professores da escola. A escolha da profissão foi um processo natural, sem dúvidas. Era jornalismo o curso que eu queria.

Eu, negro, de família humilde, de um bairro de periferia de Campo Grande (MS) ingressava na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Não sabia o quanto aquilo representava. Um mundo novo se abriu. Vários mundos se apresentaram. Logo de início, conheci as narrativas, o jornalismo humanizado e sistêmico. Fui aprendendo a mesclar razão e emoção, ser ético e cuidar da estética do que eu escrevia. Aliar objetividade e subjetividade. Assim fui construindo como jornalismo. A cada capítulo da história, dessa história que é minha, fui me forçando a melhorar, a buscar mais.

Conhecia o Texto Vivo, sabia da pós-graduação de Jornalismo Literário, mas achava-a distante. Terminei a graduação escrevendo um livro-reportagem que contava a história de cinco famílias que adotavam crianças. Lá estavam as narrativas, a imersão, a subjetividade, a humanização. Queria continuar estudando. Fiz pós-graduação em Teorias e Práticas Contemporâneas do Jornalismo, a única em jornalismo que existe na cidade quente de 800 mil habitantes em que nasci e cresci.

Lá havia uma disciplina de Jornalismo Literário e foi nesse caminho que segui na monografia. Li textos feitos com técnicas de Jornalismo Literário, pesquisei e quase vim para o seminário em 2007 organizado pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário. Campo Grande tinha ficado pequena. Meu desafio lá era conhecer e tentar praticar JL. Impossível em meios tradicionalistas que nunca ouviram falar na prática e estavam poucos dispostos a mudar.

Em 2008 decidi que aquele seria meu último ano em Mato Grosso do Sul. Quando ocorreu a semana de Jornalismo da Uniderp, uma universidade privada local, fui convidado a participar de uma mesa-redonda. O tema do encontro naquele ano era Jornalismo Literário. A abertura foi com Edvaldo Pereira Lima. Eu me esbaldei. Articulei uma entrevista e consegui página inteira para falar de Jornalismo Literário em um jornal que fazia questão de ignorá-lo.

Vir para São Paulo era uma questão de tempo. Fui mantendo contato com Edvaldo e sabia que a pós começaria em fevereiro/março de 2009. Fui preparando para fechar minha vida em Campo Grande e começar do zero em São Paulo. Economizava grana, terminava a monografia da outra pós e ia tentando olhar para fora do meu quadrado.

O ano terminava e sabia que a mudança era inevitável. Ela latejava dentro de mim. Na chegada de 2009, sabia que aquele não seria um ano como os outros. Era a chegada de aquário, hora de inovar. Tinha que comunicar minha decisão à minha mãe, ao jornal em que trabalhava e aos amigos. Assim o fiz. Todos olharam com desconfiança. Muitos me acharam corajoso. Alguns temerosos, recomendaram parcimônia – Será que é a hora? Não é melhor esperar essa crise mundial passar? – questionou um colega de jornal. Respondi que aquela era a minha hora e que estava disposto enfrentar desafios e correr riscos.

Mesmo que não conseguisse me firmar em São Paulo, sabia que naquele momento precisava sair. Fui me desligando do jornal, as relações com as pessoas ficavam mais intensas. Cada amigo que encontrava na rua dava um aperto no peito, podia ser a última vez que o veria em muito tempo. Mandei minha ficha com dados e recebi o boleto para pagar a matrícula. As coisas começavam a se concretizar.

Recebi um e-mail da secretaria da pós pedindo documentação. Fiquei de enviar pelo correio e protelei até que pudesse entregar pessoalmente no primeiro dia de aula. Alguns amigos ainda aconselhavam que não pedisse demissão e que apenas saísse de férias do jornal em que trabalhava. Eu dizia que não adiantava, que era teimoso, que um mês era pouco para arranjar emprego em São Paulo e que, por mais que não tivesse dinheiro para me bancar muito tempo na cidade sem trabalho, iria resistir até onde pudesse.

“Jornalismo Literário?!” Alguns torciam o nariz. Eu sempre falava empolgado, com paixão nos olhos, brilho e sentimentos que acabavam convencendo que aquela era a atitude certa. Uma história com muitos coadjuvantes, amigos que incentivaram, ponderaram e que sentiram minha ausência. Sentimento recíproco de quem encerrou um ciclo em 28 de fevereiro de 2009 (último dia em que trabalhei no jornal) e começou um novo em 2 de março (o dia em que cheguei em São Paulo, o primeiro dia de aula). Aqui estou eu, empregado, contando essa história, construindo novas histórias, pronto para viver esse sonho possível que a cada dia se concretiza.

[5 de maio de 2009]

Entre Aspas I: Seja a mudança que você quer ver. Autor desconhecido por mim.

Entre Aspas II:Para ter algo que nunca teve, é preciso fazer algo que nunca fez. Autor desconhecido por mim.

domingo, 6 de junho de 2010

Do sertão para o mar*


- É preciso que alguém cuide dos cavalos - , murmurou Sebastião ao abandonar os animais amarrados e ir procurar alimentos na floresta.
- Mas por quê? -, questionou Eleonor, acreditando que eles ficariam parados, esperando que voltassem.

Depois de 400 quilômetros de cavalgada era natural que eles também quisessem descansar. Após amarrar os animais em árvores, os dois entraram mata a dentro a pé e finalmente ouviram barulho de água. Havia uma cachoeira, árvores frutíferas e fauna diversificada. Era tanta vida que transitava no meio daquele verde que os dois ficaram boquiabertos. O sertão havia ficado para trás.

- Ah, que surpresa! Estava bem longe encontrá-lo -, deliciou-se Eleonor, ao se deparar com o rio e lembrar que pensou em desviar o caminho, pegando um atalho que os levariam em direção oposta.

O casal estava maravilhado com a cena e já sentia que a jornada tinha valido a pena. Ainda não sabiam o quanto teriam que percorrer para achar o mar e nem se conseguiriam chegar até ele em tais condições. Mas esse era o sonho de uma vida, o objetivo de toda uma gente e que a cada dia se tornava mais próximo.

A mulher, no entanto, começava a vacilar em suas metas. Será que achariam o mar? Não era melhor parar e garantir a estadia naquele lugar paradisíaco? Precisavam continuar e arriscar a vida em uma busca em que o resultado era incerto? - Ah! São coisas que sucedem! – respondeu o marido, com a tranquilidade de quem tinha certeza de que o melhor estava por vir.

Sentiram-se plenos com a vista e recarregaram energias, livrando-se das incertezas. Começaram a voltar. Os cavalos se deliciavam brincando com seus rabos. O macho tentava pegar a égua a força, quando Sebastião disparou: - Eh! Que fazes tu, a vagabundear?

Montaram após alimentar e darem água aos animais. O macho maior, marrom e brilhante não demonstrava cansaço. Já a égua tinha cor clara e já cavalgava mais vacilante. O casal também conversava menos. A mulher que antes declamava poesias, entoava cânticos, agora apenas respondia: - Vou ver - , quando o marido questionava sobre o mar.

Estavam há 20 dias na estrada. O tempo tinha sido intenso nesse período. Marcou o casal centenário (ambos tinham 50 anos e já aparentavam 60 com a jornada). Seguiram por uma estrada de chão, passaram por uma boiada e foram vistos às margens de uma BR movimentada. O mar chegou perdendo-se em sua imensidão azul e os chamou. Entraram com animais e tudo. Nunca voltaram a Cacoalzinho, no serão pernambucano.


*Texto produzido como exercício na pós em jornalismo literário. Tínhamos que criá-lo a partir dos diálogos dados pelo professor.
Com o tempo aprendi a publicar mesmo aquilo que não acho bom. Escrever é o que importa.

Entre Aspas: Escrevo uma página de obra de arte e 91 páginas de lixo. Tento por o lixo na lixeira. Ernest Heminguay.