terça-feira, 27 de junho de 2006

Entrevista com Bruno Moser Canhete

Quem é o Bruno? Um novo desconhecido a cada dia. É assim que ele se define, lembrando que não gosta de falar muito sobre si. Você pode passar horas conversando com Bruno, porém pouco ele vai revelar sobre si. Nascido em Corumbá, que como ele diz, é cheia de figuras, o Bruno é mais uma delas: engraçado por natureza, artista e comunicativo. Na infância, queria ser médico. Ele se divertiu muito e deu muitas risadas quando era criança. A separação dos pais veio junto com a adolescência e depois vieram alguns trabalhos não muito bem-sucedidos. O que importa pra ele é fazer o que gosta e não o dinheiro. Jornalismo? "É quando você trabalha a favor da comunidade", acredita. O Futuro? "Eu não fico planejando coisas", afirma. Conheça um pouco mais deste desconhecido na entrevista a seguir (realizada em 24 de abril em um dos bancos de concreto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS):

Guilherme - Eu queria que você se apresentasse, falasse seu nome e idade.
Bruno
- Meu nome é Bruno Moser Cañete. Eu tenho 25 anos, nasci em Corumbá, em 6 de dezembro de 1980.

Gui - O que você faz da vida?
Bruno
- Eu, atualmente, estou cursando o 4º ano de jornalismo aqui na Universidade Federal. Pretendo ano que vem, se Deus quiser, trabalhar nessa área.

Gui - Além de cursar o 4º ano de jornalismo o que mais você faz?
Bruno
- Olha, eu não estou trabalhando, por enquanto. Também não estou procurando, mas tudo que aparecer de projeto interessante, que eu me identifico, eu estou fazendo. Estou tocando em uma banda, e participando, mais ou menos, da edição de um filme. E o que vier nesse sentido de arte, eu estou fazendo.

Gui - Como é o nome da sua banda, o que ela toca?
Bruno
- Eu tenho uma banda de garagem que não sai da garagem. A gente toca músicas dos anos 80, de um período pós-Punk, aí tem The Kirls, The Smith, todos os "Thes" da vida. A gente toca também Take Spitous. Eu toco baixo na banda e a banda não tem nome. A gente está procurando nome ainda, mas estamos em definições de componentes e tal. Mas quem sabe eu entre em uma outra também, aí eu vou cantar. A gente está esperando um baterista bom, só isso.

Gui - Então você é multifacetado, faz tudo?
Bruno
- É, eu faço de tudo um pouco. Quase nada dá certo, mas aquilo que eu faço com mais afinco dá até certo, funciona, funciona. Eu não fico me prendendo 'ah tenho que fazer alguma coisa', o que vier eu estou fazendo.

Gui - Eu queria que você contasse como foi sua infância, do que você brincava?
Bruno
- Infância cara... Foi uma infância bem legal. Não que eu tenha feito tudo que eu quis, por que depois que você cresce você vê que deixou de fazer um monte de coisas. Mas, enquanto eu era criança eu curti bastante. A única coisa que eu sinto falta é de não ter tido...sabe aqueles carrinhos que você pedala dentro.

Gui - Rolimã?
Bruno
– Não. É um carrinho, com forma de carrinho mesmo, que tem um pedalinho dentro. Aquilo eu não tive, até hoje eu tenho uma... Eu sou uma criança frustrada porque eu não tive isso.

Nesse momento meu celular toca. Paro a gravação e atendo. Tinha que ser a Laiana. Ela quer aparecer em todas as entrevistas mesmo.... Depois volto a entrevista.

Gui - Você estava falando do seu carrinho, da sua infância.
Bruno
- Então a parte do carrinho foi complicada. Mas eu viajava bastante quando era criança. Eu ia para a casa da minha avó em Santa Catarina, lá eu brincava bastante. O ano inteiro ficava em função dessa viajem. Durante o ano em Corumbá, eu tinha bastante vizinhos, a gente brincava. Como eu morava em bairro, jogávamos bola...

Gui - Vocês iam para o rio também? Como é ter infância em uma cidade que tem rio? Eu não sei como é isso.
Bruno
- Bom, a parte do rio eu não lembro muito. Eu não fui. Eu não cresci dentro do rio. Tenho bastante amigos que tiveram essa vivência. Mas era mais para quem tinha tio, e eu não tinha tio. Eu só tenho uma tia por parte de pai, né? E os outros parentes da minha mãe moram em outros estados. Então, eu não tive muito essa relação de sair para pescar.

Gui - Porque tem que ser com tio? Por causa da pesca?
Bruno
- É, porque o pessoal vai lá pescar, tem essa relação mais íntima com o rio. Tomar banho eu nunca... Eu não lembro de ter feito isso. A gente brincava nas pracinhas, mas o rio...

Gui - Não tomava banho [no rio], né?
Bruno
– Não, eu não curti isso. Depois de velho que eu fui pescar, mas eu não sei pescar até hoje. Eu gosto de remar, mas eu nunca fui bom com bola, pra jogar bola. Esses esportes coletivos, eu nunca fui bom. O que eu fazia, quando eu era criança, nadei até uns dez anos. De uns oito aos dez, aos doze, não sei. Aí, cresci, meus pais logo separaram e fui morar para o centro da cidade. Aí eu perdi um pouco essa relação com o pessoal do bairro. Mas a infância em si foi muito boa. Não tenho nada do que reclamar. Ri muito. Isso eu lembro bastante, da família reunida, eu, minha irmã, meu pai e minha mãe, a gente brincando e rindo bastante. Rindo de doer a barriga, isso eu lembro. Acho que por causa disso eu sou meio palhação. A família inteira é bem alegre.

Gui - E como foi a adolescência, os primeiros namoros?
Bruno
– É, adolescência foi mais complicada porque na época que mais pais se separaram eu estava com 12 anos. Então, foi bem complicado. Foi a época em que eles se separaram e eu fui morar com meu pai. Eu resolvi morar com meu pai e um ou dois anos depois, minha mãe foi morar em Joinvilhe [Santa Catarina], foi embora. É interessante que tem certos momentos que não lembro. Eu exclui assim, sabe? Não sei por que, mas eu não lembro. Não sei quando a minha mãe foi embora exatamente, que ano ela foi, que mês ela foi. Eu não sei quando fui morar com meu pai certinho. Então, foi um período meio estranho. Dos 13, eu acho, até os 16 eu fiquei morando com a minha primeira madrasta, por que meu pai está na segunda madrasta já. Fiquei com ela e foi um período complicado, porque a gente brigava muito. A gente não tinha uma relação muito harmoniosa. Com 16 anos, eu tive minha primeira paixão, mas não foi concretizada. Foi uma paixão platônica, mas foi muito forte.

Gui - Com 16 anos... Tarde né?
Bruno
- Não foi bom porque você vê gente tendo essas paixonites de escola mais tarde, com 18, 19, que é complicado. É pior para você trabalhar, quando você é mais novo. Acho que é mais fácil de você trabalhar. Com 17 anos, eu fui morar em outra casa que culminou com a saída da escola. Foi meu último ano, foi o terceiro ano e logo depois eu vim para Campo Grande. Vim fazer faculdade já. Fiz um ano de Análise de Sistemas aqui, voltei para Corumbá, fiquei de 99 até 2003 nesse limbo assim, arranjando um trabalhinho aqui outro ali...

Gui - Que tipo de trabalho?
Bruno
- Eu trabalhei... Cara, eu trabalhei como vendedor que não tinha hora para você fazer, você fazia o seu trabalho. Então, eu trabalhei vendendo consórcio de carro, não vendi nada. Trabalhei vendendo plano de saúde, vendi um plano de saúde um só.

Gui - (rindo) Recebeu uma comissão...
Bruno
- Recebi metade, por que eu vendi junto com outro amigo meu. Esse foi um trabalho meio rápido. Vendi plano de saúde para uma outra empresa também que não deu muito certo. São esses empregos mais ou menos. Nunca fui muito afeito ao serviço. Ah! E antes disso, quando eu era bem novinho, eu trabalhei na farmácia que meu pai trabalha. Meu pai trabalha em uma farmácia, é gerente. Eu ajudei ele lá.

Gui - A "São Bento" de Corumbá?
Bruno
- Não, a Santo Antônio. É, desculpe, a Santo Antônio é a "São Bento" de Corumbá. Fiquei trabalhando alguns meses lá. O patrão é o meu padrinho. É uma relação bem legal. Um dia eu estava lá no estoque deitado em cima de umas fraldas, tá ligado? Matando tempo, aí o patrão me sobe e me vê em uma situação toda constrangedora, aí eu saí. Aí lá, eu ganhei um salário até, mas não fazia diferença para mim. Eu não gastava naaadaaa. Eu estava até conversando hoje que eu não tenho muito essa relação com o dinheiro. Não faz muita diferença para mim, nunca fez. Então, a relação com o trabalho é mais prazer do que dinheiro. Eu só executo bem uma tarefa que eu tenho prazer em fazer. Se eu não tiver prazer, não adianta pagar bem que eu não vou fazer.

Gui - Por que você escolheu fazer o curso de Jornalismo?
Bruno
- Foi muito graças ao fato de ter feito um ano de Análises de Sistemas aqui. Porque eu fiz meu primeiro vestibular, que foi para análises, e eu passei direto. Meu pai falou 'cara, parabéns, vai fazer, tal'. E eu fiz análises muito por essa parte: eu vou fazer por que dá dinheiro. Eu gosto de mexer no Word, gosto de jogar Paciência, então eu vou fazer. Chegando aqui, dei de cara com um curso extremamente complicado, extremamente de cálculo. E eu reprovei logo no primeiro semestre. Eu já estava reprovado, tirei uma nota azul só. Foi um baque tremendo, sabe? Quando você é jogado aos leões. Aí, dali eu percebi e falei 'cara, meu negócio não é exatas'. Disso eu tenho certeza absoluta em qualquer tipo. Aí, como eu percebi mais facilidade com Português, com essas paradas mais Humanas, e todo mundo falando que eu tinha facilidade para me comunicar, resolvi fazer Jornalismo. Comecei a tentar fazer Jornalismo, desde que eu voltei. Só passei em 2003. Fiz uns três, quatro vestibulares até conseguir passar.

Gui - Agora, eu queria que você se definisse. Bruno por Bruno. Quem é o Bruno?
Bruno
- Olha, eu não sei te dizer isso assim certo. Porque antigamente eu achava que sabia o que eu queria, o que eu era, mas fui conversando... Voltar para cá, para Campo grande, para fazer esse curso foi interessante. Eu comecei a conhecer bastante gente assim, gente diferente. E eu comecei a perceber que ninguém me conhecia. Até se eu perguntar para você do que eu gosto você não vai saber, uma comida. Até com você que eu não tenho uma relação tão íntima é até normal. Mas pra gente que eu convivia diariamente, não sabia o que eu era. Eu não sei. Agora eu estou começando a me definir e a mostrar isso. 'É disso que eu gosto, saibam disso'. É igual está no meu Orkut, um novo desconhecido a cada dia. Eu não sei te falar, eu não consigo precisar muito as coisas. Conheci muita gente que é muito precisa, muito objetiva, mas eu não consigo ser assim. Não sei porque eu não consigo ser assim.

Gui - Mas, do que você gosta? Qual comida você gosta, quais filmes você curte?
Bruno
- Pois é, justamente, esse negócio é muito complicado. Eu sou muito volúvel pra essa questão. Um dia eu gosto muito de panqueca e no outro eu amo arroz carreteiro e no outro eu estou comendo lagosta. Até a Manuela me perguntou outro dia: ‘qual é a sua música preferida’, eu falei eu gosto muito de 'Hotel Califórnia'. Ela falou 'Ah! Legal beleza', mas no outro dia eu estava extremamente apaixonado por Pink Floyd. Então, depende muito. Eu estou começando a me definir, mas ao mesmo tempo você começa a perceber que não tem sentido você ficar se definindo só pra se definir. Por quê? Pra quê? Aí eu devolvo a pergunta: 'Qual é a comida que eu gosto? Mas pra quê que eu preciso gostar de uma comida?'. Não sei, eu estou tentando definir algumas coisas, simplesmente para responder algumas questões. Mas eu por mim mesmo não faz diferença.

Gui - Como é a sua relação comigo?
Bruno
- Com você?...

Gui - Comigo!
Bruno
- Olha, nossa, não é...

Gui - Meio distante né?!
Bruno
- Não, não é tão distante. Mas, a gente não se encontra muito pra sair tal, essas coisas. Eu acho que talvez é por afinidade mesmo assim. Coisas que você faz que talvez eu não faça. E coisas que eu faço e talvez não corroborem com você. Você foi no [Bar] Fly aquele dia, quantas vezes você vai ao Fly?

Gui - Poucas.
Bruno
- Poucas vezes. Então, é muito difícil a gente se encontrar fora da faculdade...Mas, acho que você é uma pessoa extremamente interessante, extremamente legal. Até fico meio assim da gente não ter mais coisas, sei lá. Acho que é por afinidade mesmo.

Gui - Como eu sou? Críticas e elogios.
Bruno
- Olha, eu acho... elogios: que você é uma pessoa muito esforçada, que trabalha muito, acho isso muito legal. Acho isso um ponto muito interessante da personalidade. Eu falo de ver você trabalhar, vender. Essas coisas são coisas pequenas, mas são características da personalidade, que você percebe, de perseverança. Uma coisa que eu não tenho. De coisa negativa, eu não posso falar, por que a gente não convive tanto. Eu costumo não falar... Categoricamente, criar uma idéia contrária da pessoa se eu não conheço. Eu posso falar isso de brincadeira. 'Ah! O Guilherme, não sei o quê, não sei o quê..', mas eu não conheço, eu não posso te afirmar, pelo fato de a gente não ter esse relacionamento tão intimo. A primeira vista, você é uma pessoa que pra mim, eu não tenho absolutamente nada pra falar contra você. Talvez, só quando reuni a galera toda você, a Maria Fernanda e a Marina que começa todo mundo conversar, mas eu não posso falar isso que eu também converso. Então, fica elas por elas.

Gui - Que tipo de conversa?
Bruno
– Conversas. Sabe quando a gente está na sala e todo mundo começa a conversar e fica blá, blá, blá...(risos)...é essa conversa.

Gui - Com quem você tem mais afinidade na faculdade e porquê?
Bruno
- Com quem eu tenho mais afinidade? Com quem eu tenho mais afinidade são as pessoas que eu saio mais. O Jéferson, obviamente, porque eu estava morando com ele. A Manuela, porque ela fez parte do meu círculo durante muito tempo, por estar namorando o Vítor, que é uma pessoa que mora na minha casa. Então ela sempre freqüentou a minha casa, e é uma pessoa que eu gosto muito também. O André por afinidade espiritual mesmo. Gosto muito do André. Agora, ano passado foi muito interessante. Acho que no 1º ano, acabei conhecendo bastante gente da turma que não estava comigo no ano passado, do 3º ano quando a sala dividiu. Então eu conheci bastante a Maria Fernanda, a gente andou tal. A Camila Abelha, esse pessoal ali da outra turma, Airton. Agora, ano passado foi fundamental pra conhecer esse pessoal que eu não conhecia. Estreitei minha relação com Antônio, que eu não via bastante, com Suzana, Terumi, Amanda, Thaís, esse pessoal que simplesmente não conhecia, não conversava. Então, esse ano, esse 4º ano eu me sinto mais integrado na turma do que todos os anos anteriores, por ter tido essa oportunidade mesmo de ter conhecido. Mas, pessoas do meu círculo, que eu saio bastante, que eu ando bastante é: Manuela, Jéferson, André. A Isabel, as vezes, por que eu gosto muito da Isabel também, e por que a gente formou um círculo por causa do Jeferson. São essas pessoas.

Gui - Qual é a área do jornalismo que você quer trabalhar quando você terminar a faculdade?
Bruno
- Edição. Rádio e TV. Quero trabalhar com edição de rádio e TV, embora eu goste muito de escrever, eu não consigo escrever um texto jornalístico. Não tenha essa...


Gui - Mas, você não tem vontade de escrever coisas humorísticas, colunas...?
Bruno
- É, é. Mas, eu não sei se jornalisticamente. Eu tenho medo depois de tudo que a gente conversou de escrever alguma coisa e falar que isso é jornalismo. Eu preciso dar mais consciência de mim, porque o jornalismo é uma arma extremamente poderosa e perigosa. Então, eu tenho medo de entrar para essa área e dizer 'isso aqui que eu estou fazendo é jornalismo'. Eu prefiro falar que é arte, outra coisa, mas não jornalismo.

Gui - Mas, por exemplo, José Simão você considera o quê?
Bruno
- Cara, o José Simão... Eu não sei... É... Ele é um cara que aproveita coisas bem ácidas assim.

Gui - Ele aproveita notícias para fazer um humor irônico, meio ácido.
Bruno
- É, eu não sei. Você acha que é jornalismo? Eu não sei se é jornalismo. Acho que é mais crítico, mas não sei o que é jornalismo. Não sei se é jornalismo.

Gui - O que é jornalismo pra você?
Bruno
- Acho que jornalismo é quando você... Eu tenho uma visão, meio do que a gente aprendeu aqui, meio utópica... É quando você tá a favor mesmo. Quando você trabalha com uma responsabilidade social, com ética, a favor da comunidade. Se não for a favor da comunidade acho que não...Essa música é muito boa 'Jeninho e Zepelin' do Chico Buarque.

Gui - Você trabalhou com edição no Festas e Eventos né?
Bruno
- Trabalhei um pouquinho lá, com edição, na verdade. Era para eu ter aprendido mais, mas eu não fiquei lá por muito tempo por causa daquela coisa: ‘se não me dá prazer eu não estou nem aí’. Então, eu achei que eu ia ganhar mais fazendo o 'Capisomen', editando. E agora tem um amigo meu que está montando um estúdio de edição de som, na casa dele. Então, eu vou colar mais nele pra ver se eu aprendo. Tudo que é parte de edição, eu acho mais interessante. Até no Projétil, eu prefiro ficar com edição. É melhor pra mim. É mais fácil.

Gui - Como você se vê daqui a 10 anos? Você vai ter 35, né?
Bruno
- 35, a gente tava conversando esses dias atrás, no aniversário da Manuela, inclusive. Foi dia...Ih! Esqueci o aniversário dela, desculpa Manuela.

Gui - O que você vai ter feito? Vai estar em campo Grande?
Bruno
- Pois é, aí, eu falei cara, o que a gente vai fazer daqui a 10 anos. 35 anos é foda! São 35 anos, não é pra qualquer um. Eu espero estar trabalhando com alguma coisa que eu goste de fazer. Eu só não quero ficar preso a um salário, por melhor que seja. Mas eu não quero ficar preso a um salário por ter que pagar conta. Não, por mais que eu ganhe R$ 300. Por mais que eu ganhe um salário, eu quero estar bem. Não quero estar dentro do redemoinho da vida fazendo coisas que... Claro, que chega uma hora que você tem de fazer. Mas o que eu puder evitar isso, eu quero. Então, com 35 anos, eu quero estar trabalhando bem, não sei o quê eu vou estar fazendo.

Gui - Mas o que você já vai ter feito? O que já vai ter realizado? Vai estar casado, vai ter filhos, com que já vai ter trabalhado. Bem sonho mesmo.
Bruno
- Ah! Tá. Porra, que chato isso, não poder falar. Eu não sei cara. Eu não fico planejando coisas. Eu quero muito ter um filho. Quero muito ter filhos, na verdade. Mas eu não sei, eu não fico pensando muito em... Quero um idealismo, uma mulher linda, maravilhosa, gostosa do meu lado. Mas se não tiver, eu penso muito em filhos. Não penso em casamento, mas eu penso em filhos, eu penso em ter uns dois ou três.

Gui - Você vai estar em Campo Grande?
Bruno
- Hum... Eu queria estar, aí já fica legal, eu queria estar em Florianópolis. Morando lá, pegando uma prainha. Mas se aqui aparecer coisa legal para fazer assim, e eu já estou me adaptando aqui. Já estou há quatro anos aqui, eu ficaria por aqui. É uma cidade muito boa, muito boa mesmo. Eu queria estar em Florianópolis, porque é bem tranquilinha.

Gui - Como você analisa o jornalismo de uma maneira geral?
Bruno
- Olha, o jornalismo a gente vê cara, e conversas com pessoas... Partindo daqui do estado, é o que todo mundo fala realmente, e o que a gente consegue constatar: que não é bom. De uma maneira geral, não é bom. TV, impresso, on-line, ele é falho. Mas, eu acho que é aquela contradição que existe em todas as áreas no Brasil. Tem muita gente fazendo coisa ruim, mas tem uma parcela fazendo muita coisa boa e conflita por que a parcela ruim consegue muito mais coisa porque tem mais poder, tem mais dinheiro e ganha mais dinheiro. E a parcela boa, não consegue fazer por que não tem voz, por mais que seja boa não tem voz. Não consegue, a política não ajuda. Então, é sempre trabalhando aos trancos e barrancos. Mas eu acho que o jornalismo está muito grudado, intrínseco ao que o povo pensa mesmo. E eu acho que o que o povo pensa, não faz com que ele consuma o jornalismo melhor. Embora, tenha muita demanda, tem muita gente fazendo coisa boa. Mas eu acho que o povo não está conseguindo absorver. Então é uma questão de tempo. Uma questão de política mesmo, de investir em educação. Fazer essas coisas que a gente sabe que tem que fazer, mas que não consegue fazer por motivos maiores, por não colocar gente que represente a gente bem. É uma parte mais política. Acho que jornalismo está muito junto a essas coisas, e as coisas tem de trabalhar em harmonia profissional, senão não funciona.

Gui - Como você avalia o governo Lula, esse primeiro governo dito de "esquerda" no Brasil?
Bruno
- Pois é, esse governo tá foda assim. Ele começou com muita esperança, o pessoal acreditando bastante.

Gui - Você votou no Lula?
Bruno
- Não, não votei no Lula. Eu votei no Serra né? Eu não votei no Lula porque eu tinha medo dele.

Gui - Você tinha medo do Lula?
Bruno
- Eu tinha medo do Lula, medo do personagem Lula. Não de toda a equipe que estava por trás disso, porque ele não trabalha sozinho. Mas, eu tinha medo dele, como pessoa, com o cara que não consegue se comunicar em outras línguas, essa coisa toda. Porque um presidente é uma instituição de fatores.

Gui - E esse medo se concretizou?
Bruno
- Pois é, eu acho que na pele dele, no personagem Lula, não. Mas tudo que veio atrás, acabou, sabe? E foi complicado porque passou uma rasteira quando você estava percebendo que aquilo podia representar uma mudança. Então, mais uma vez eu o povo todo se sentiu traído de novo, pelo governo e sentiu mais traído ainda porque é aquela parcela que falou 'não, vamos ver o que...Se todo mundo deu errado esse cara vai dar certo'. E deu errado pra caramba. Ele fez muita coisa, mas nada justifica essa bandalheira que aconteceu. E eu não sei se ele vai, embora as pesquisas mostrem que ele vai ficar. Eu não sei se ele vai continuar não.

Gui - Votar no Lula então...
Bruno
- Não, acho que não voto no Lula não. Mas, aí vou votar em quem? Porque votar no Alckmin eu não voto. Eu não conheço o Alckmin. É isso que é o complicado, porque eu acho da política é isso: não adianta você votar... Claro que adianta, mas não faz efeito votar em uma presidente sendo que você não sabe nem o que seu vereador está fazendo. Eu acho que tem que ser de trás para frente. Vereador, prefeito, deputado, senador, governador, presidente, para conseguir alguma mudança, senão você não consegue mudar. É do pequenininho para o grandão e não do grandão pro pequenininho.

Gui - Por exemplo, na Heloisa Helena, você votaria?
Bruno
- Pois é, cara eu preferiria votar em um vereador que eu conheço. Talvez eu votaria nela. Talvez seja até uma boa. Eu vou dar uma pesquisada mais na proposta dela para ver se ela está falando coisa com coisa. Mas eu prefiro votar em um cara que eu fale: 'esse cara vai representar bem o meu bairro, o meu espaço lá'. Porque é só assim, senão a gente não vai poder andar pra frente pensando da ponta pra baixo. É da base pra ponta, é assim que trabalha.

Gui - Como é Corumbá?
Bruno
- Cara, Corumbá é uma cidade extremamente interessante. É, eu já cheguei a conclusão que lá, como algumas cidades do interior, mas não sei se todas, tem muita gente figura. Aquelas pessoas de livro mesmo: o cara do saco, o dono do mercado, o açougueiro. Tem essas pessoas assim. E por outro lado, você vê que ela é uma cidade que está morrendo por mais que invistam nela, por que ela foi um pólo comercial muito importante, antes de Campo grande, antes de um monte de cidade do estado. O rio Paraguai era o que trazia cultura, era o que trazia dinheiro, era o que trazia tudo. Aí por administrações consecutivas e não muito competentes a gente foi ficando para trás, foi ficando para trás. Dividiu o Estado e a gente se perdeu mais ainda, e a gente sabe que...

Gui - A divisão do Estado não foi boa para Corumbá?
Bruno
- Para o Estado inteiro né. Para Mato Grosso do Sul como um todo não foi muito boa. Passou o centro de controle daqui [se referindo a Corumbá] para Campo Grande. O poder mesmo. Agora Corumbá está tentando se reerguer por que é difícil colocar em ordem bagunça do passado. Essas farras que aconteceram para o passado, farra fiscal mesmo. Agora está tentando se reerguer. E lá eu fico até meio assim, porque eu não vou para lá para votar. Esses quatro anos que eu estou aqui, eu não votei. Quando eu estava lá sim, eu procurava votar nas pessoas que eu conheço e que eu sabia que iam fazer alguma coisa pela cidade. Agora conseguiram criar um calendário turístico para cidade. De janeiro a dezembro sempre vai ter alguma coisa para fazer, mês sim, mês não, a cada dois meses. Mas sempre tem coisa pra fazer. Isso é interessante por que chama bastante gente para lá. A gente tem que trabalhar ainda mais para isso. Eu espero formar, e, se não der nada certo, voltar pra Corumbá e trabalhar lá dentro da prefeitura. Trabalhar como multiplicador de políticas boas, e não sair como candidato. Trabalhar nos bastidores porque a gente já está fazendo parte daquela geração que vai tomar conta. A gente não é mais o amanhã, a gente é o hoje. Então, eu já conheço gente que se formou em publicidade, direito, bababá, e porque não juntar toda essa gente, que a gente conhece, e trabalhar em função da cidade? Fazer aquela cidade funcionar, porque dá e dá de verdade. Basta querer. Como a gente mora lá e sente que a cidade precisa desse plus, desse mais, a minha a vontade é de voltar para lá se nada der certo.

Gui - Tem muita gente de Corumbá que vem para Campo Grande, estuda, se forma, se torna profissional e vem multiplicar em Campo Grande e não volta para Corumbá. Você tem vontade de voltar para Corumbá?
Bruno
- Olha, eu acho que eu voltaria se esses planos de mulher, filhos, Floripa, por algum motivo não funcionasse. É difícil você trabalhar em outro setor. A cidade tem um ritmo muito lento, se você fica lá, você acaba caindo nesse ritmo, se acomoda, não tem muitas oportunidades. Isso é complicado porque quando você volta lá, tá tudo igual. E tá todo mundo meio assim.

Gui - Ou está tudo pior né?
Bruno
- É, está todo mundo igual e só você está diferente. Então você fica meio fora, você fica excluído. Não excluído no sentido ruim da palavra. Mas você fica diferente. Você andou e o negócio ficou. Quando você volta parece que você não cabe mais ali. Então é um negócio complicado. Se a gente conseguir fazer um negócio interessante de juntar, se eu conseguisse perceber isso em amigos que estão se formando, eu voltaria para lá tranquilamente. Fora o calor, que não dá para acostumar.

Gui - Não dá? Você nasceu lá e não se acostumou com o calor?
Bruno
- De lá não. Quando tem muito calor, você reclama, reclama e reclama mesmo. Porque é muito quente.

Gui - E frio? Diz que é muito frio também?
Bruno
- Noossaa!!! É muito frio, nossa! Quando é calor arregaça. O sol faz assim chega meio-dia ele aproxima ba. (risos). Aí, quando é frio, nossa é muito frio. Nossa! É horrível, é horrível...

Gui - Como é morar em Campo Grande sozinho, sem os pais no seu caso?
Bruno
- Olha, eu já tive essa experiência quando eu vim para cá. Então, da primeira vez que eu morei aqui já deu... Embora eu tenha reprovado no meio do semestre, eu fiquei um ano aqui. Eu fiz um ano de análises [de sistemas], então esse foi o período da desmama. Já foi mais tranqüilo agora. E também quando eu vim pra cá a primeira vez eu tinha 17 anos e da segunda vez eu tinha 23. Então, se eu fosse pra Zâmbia talvez fosse mais fácil adequar ao lugar. Eu não tive muito problema com isso, mesmo porque depois que meu pai separou e dos 17 até... Eu vim pra cá e depois voltei pra lá, esse período todo eu sempre fiquei sozinho. Sempre fiquei sozinho em casa, sem muita gente. Então sempre me acostumei a ficar sozinho. Isso foi bem tranqüilo, não tive problema não. E até fico tirando sarro do povo. Quando eu voltei pra cá e era mais velho e tinha gente de tipo...Quantos você tinha quando entrou?

Gui - 17...
Bruno
- É, sabe. Eu tava com 23, pô. Então eu já sabia, o povo falava : (em tom debochado) 'ai! Eu estou com saudade da família', Eu falava 'Cala boca! Você não é nada'. Eu tirava onda era legal.

Gui - Da onde vem essa irreverência toda? Você se acha engraçado? Você faz coisas pra ser engraçado?
Bruno
- Cara, eu me achava mais engraçado. Eu acho que eu estou perdendo o jeito. Tô ficando... Eu percebo que antes eu podia conhecer uma pessoa agora e depois de 15 minutos ela já estava extremamente íntima, amiga e normal comigo. Agora eu sinto que eu posso conhecer uma pessoa, mas eu sinto vontade de ficar quieto, mais na minha. Isso é meio chato porque aí você num... Mas, eu acho que numa rodona se você me instigar eu ainda consigo, faço todo mundo rir, mas...

Gui - Da onde que vem essa irreverência?
Bruno
- Não sei... Eu acho que é da minha família. Minha mãe e meu pai são muito... Eles criavam um ambiente muito legal em casa, a minha irmã também é assim. Ela sempre foi a palhaça da roda dela, tal. Eu não sei acho que é de família, de família.

É isso aí. Obrigado Bruno. E até mais pessoal.

guilherme - 10:29:28
envie este texto para um amigo - 2

sábado, 10 de junho de 2006

A batalha final: Os últimos dias do resto de nossas vidas

Ando cansado, minha cabeça não consegue processar um milésimo do trilhão de informações que recebo. São 18 horas e depois de um longo e tortuoso dia de trabalho ainda tenho que ir pra faculdade. Não agüento mais aula. Mas, quero continuar vendo os amigos. Está certo que estamos cada vez menos nos encontrando, cada vez mais cansados e estressados, mas somos amigos, nos divertimos juntos.

Estamos nos preparando para a reta final de nossa vida acadêmica, os últimos dias de aula do curso de jornalismo, do resto de nossas vidas. As últimas horas juntos rindo na cantina do Moita ou na escada. Depois, nunca mais todos juntos. Todos não vão morrer, mas cada um irá viver sua vida, encontrar seu caminho. O tempo e a distância vão chegar. E será que vamos conseguir fazer aqueles churrascos de encontro de turma? Será que temos de fazer isso? Será que queremos?

Vem aí a rotina profissional, o dia-a-dia, o fechamento, o dead line que já está aí. Não teremos mais a obrigação de ir pra faculdade, mas onde vou relaxar e dar boas risadas? Vou ter de encontrar novos amigos... Não será o mesmo. Dos professores ficarão saudades e causos engraçados. Nos corredores da federal ainda ecoarão nossos gritos. A gente não vai se esquecer, mas vai se perder. Vamos nos dispersar. Usando um clichê: somos lagartos que vamos ganhar asas, virar borboletas e voar. Vôo mais solitário, competitivo, sem muita proteção. Torço por todos. O que gostaria mesmo é que fôssemos um bando de pássaros daqueles que sempre voam juntos.

Como sonhei entrar na faculdade. Vivi intensamente, mas como diz a música queria ter aproveitado mais... Fui feliz, cresci, amadureci, ri, chorei. Errei, fui elogiado, vendi bombons, ri e conversei de novo. Aprendi, desaprendi, apreendi, boiei, compreendi. Saio outro, com outros sonhos, mais maduros agora, sem aquela revolução e frescor da adolescência (pena?). Saio para o jornalismo, que não é aquele que vim procurar. Saio para vida e quero todos vocês por perto. Mesmo sabendo que isso é uma utopia.

Eu disse...

No final de 2004, quando estávamos no 2º ano eu já previa: "No 4º ano a turma separada em dois no terceiro é uma de novo. Não adianta. A divisão física e mental já terá nos atingido de um tanto que nada nos unirá novamente. Além disso, 4º ano tem três meses de aula. E mesmo assim, cada qual fica com seu grupo. Vai ser sempre assim daqui para frente. Já é sempre assim. Mas, todos carregam sentimentos, são pessoas com vasto universo dentro de si, com milhões de coisas a serem descobertas e uma infinidade de outras para serem desvendadas juntas. Eu gosto de todos e quero compartilhar um pouco do mundo de cada um". É o que eu dizia na época, é o que eu sempre busquei na faculdade: conhecer diferentes realidades, me relacionar com outros seres humanos, mesmo os divergentes, os iguais, alguns que foram se tornando iguais e outros que se tornaram distantes.

Nesse tempo, o tempo não parou. O cabelo cresceu, encurtou, as espinhas se foram. Veio o aparelho, que também se foi, os empregos. Os namorados (as), acidentes, alegrias, tristezas, mudanças de casa, viagens. Mudamos. Reciclamos, amamos, corremos, brincamos, brigamos, tiramos fotos, escrevemos, falamos, ouvimos, trabalhamos, fomos nós mesmos e aproveitamos, cada um a sua maneira, cada momento.

O tempo não pára:

A mensagem foi dada aqui em junho de 2004, mas vale a pena repetir: "Uma luta, um jogo, uma algema constante com o tempo que não pára e que nos vence incessantemente e não nos 'dá um tempo' nem de respirar".

Tempo vago... uma confusão de pensamentos, idéias, ideais, coisas a se fazer, compromissos... Depois da crise e da ajuda dele (O Tempo) vem o amadurecimento, o crescimento. O tempo não pára... Então vamos correr atrás dele... Vamos à luta!"

Ente Aspas: Ando em crise, numa boa, nada de grave. Mas, ando em crise com o tempo. Que estranho 'presente' é este que vivemos hoje correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse ficado mais rápido do que a vida, como se nossos músculos, ossos e sangue estivessem correndo atrás de um tempo mais rápido. Arnaldo Jabor.

Entre Aspas 2: Escrever é a minha única salvação, quando arranjo tempo para escrever é por que estou bem comigo mesmo. Bruno Moser/GSD.

PS: As crianças me chamam de tio. Os adolescentes se referem a mim como "o homem". Os adultos me tratam como o rapaz. E os velhos como o "menino". Quem sou eu?

Até mais, se o tempo, senhor da sabedoria, deixar.


guilherme - 00:52:23
envie este texto para um amigo - 4

----------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 9 de maio de 2006
Vão livre

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, 1h30 de sábado. Faz frio. O atraso do ônibus é o assunto da conversa dos estudantes que se preparam para ir ao Pantanal. A espera acaba com uma dúvida: "É nisso que vamos viajar?" O velho microônibus não contém nenhum equipamento de segurança. Porta-malas e bancos confortáveis também não estão entre suas características. Se suas pernas têm mais de 50 cm prepare-se para espremê-las durante 6 horas.

Mas, quando a viagem inclui a animada turma de jornalismo 2006, nada é empecilho para diversão: "Toda vez que eu chego em casa a barata da vizinha ta na minha cama... Diz aí Marê o que você vai fazer..." A cantoria segue por boa parte do caminho, até que os combatentes-cantores caem uma a um no sono, mesmo em seus bancos desconfortáveis.

"Eu não quero compromisso, quero namorar", é com a música de Amado Batista no último volume, que acordamos quando o ônibus entra na estrada de chão, já no município de Corumbá. São seis horas da manhã, o Pantanal está amanhecendo. Os tuiuiús, desajeitados com suas pernas grandes, se sacodem em sua magnitude. O jacaré se espreguiça em formato de "U". Eles e os alagados serão familiares de agora em diante.

Garças, pássaros e uma grande ponte sobre o Rio Miranda. Bem-Vindos ao Passo do Lontra. A base da UFMS está logo adiante, com sua estrutura de palafita (casa construída em cima de colunas de concreto, a dois metros do chão). Nos acomodamos nos alojamentos e descobrimos que não éramos esperados. Não havia café da manhã pronto. Para aguardá-lo, vamos para a beira do rio conversar e espairecer. À sombra, num banco de madeira, deslumbramos o paraíso.

Mesmo de cara feia, a cozinheira prepara o café. Depois de comer, vamos à pousada vizinha. Lá, turistas transitam pelas passagens de madeira, construídas em cima dos alagados. Fotos e poses nas passarelas sobre o Rio Miranda. À esquerda carcarás e urubus sobrevoam. A movimentação aumenta, algo de estranho acontece: há um jacaré morto de barriga para cima, um urubu bica seu coro estufado, enquanto os outros animais, inclusive nós, observam.

De volta ao ponto em que deixamos a professora Ruth Vianna não a encontramos. Resolvemos voltar à Base. No caminho, há um trilho e uma espécie de trem que serve para atravessar a ponte de madeira. É nele mesmo que vamos. "Iuupiiii..." Chegando ao alojamento, os pedreiros que trabalham na ampliação do local, dizem que ninguém voltou ainda. Retornamos à pousada e encontramos o grupo. Há um jacaré no alagado. Ficamos a dois metros dele. Ele não se mexe. Parece de mentira, uma estátua. "Ah! Ele piscou!". Jogo uma pedrinha perto dele e ele continua parado.

Agora sim, todos vão para base. Ainda são 9 horas. O tempo das coisas no Pantanal é outro. Tudo é mais devagar, inclusive os ponteiros do relógio. Aqui dá tempo para se viver. Então, vamos dormir e descansar. Levanto quase uma hora da tarde. Desorientado sigo para o refeitório. O grupo conversa e almoça. Despertar e acordar mesmo, no meu caso, só depois de terminar de comer.

À tarde vamos conhecer a comunidade do Passo do Lontra. À beira do rio Miranda, em casas simples de tábua, os moradores vivem longe do resto do mundo. Sem banheiro, sem água potável, sem luz. Os piloteiros-pescadores chegam a ganhar até R$ 2 mil em um mês e no outro podem não ganhar nada. A desilusão dessas pessoas com a melhora do lugar é visível nos olhos e nas histórias de moradores que foram embora. Faço algumas entrevistas para o Comunicação Direta e gravo o encerramento do programa na ponte do Rio Miranda. Mais a frente, uma pousada recebe turistas estrangeiros e cobra fortunas por seus serviços.

Em meio a paisagem encantadora e inspiradora surge o projeto de assessoria para o Passo do Lontra. A natureza mais uma vez surpreende, o urubu que surfa sobre o jacaré morto, já chegou até aqui. Enquanto a correnteza o guia pelo rio abaixo, ela saboreia o jacaré.

Da pousada seguimos rumo a Fazenda Arara Azul, ao som de seu Geraldo, um violeiro singular de 69 anos "Pode ser, pode não ser..." E depois de muitas pontes de madeiras, sobre alagados e jacarés, somos avisados que devemos voltar. Estamos no Rio Abobral, e não daria tempo de chagar na Arara Azul e voltar para o jantar. Criamos uma teoria da conspiração. "Teriam eles nos levado até ali, para nos eliminar?". Inventamos as histórias mais absurdas e rimos.

Logo a frente, mais uma ponte. Em cima dela um bicho de cor parda, imponente. "Uma onça!", grita Marina. O ônibus inteiro se levanta para admirar a rainha do Pantanal. O animal se levanta, assustado pelo ônibus e corre para a mata ao lado. Levanta a perna e mija na árvore. A onça, não passava de um cachorro "que se acha". Retornamos. Atravessamos 30 pontes em menos de uma hora (não é exagero, a gente contou). Em uma delas, o motorista fez todos descerem do ônibus para atravessá-la. Era um terror. Ao descer, vemos uma lontra morta, a única avistada na viagem. Até lobo e bugio vimos, lontra no passo do lontra não. O motorista que tem o apelido de "Ventania" passa pela gente e não para. Ele é cheio das gracinhas, o famoso Joselito sem-noção.

Antes de chegar na base, paramos na conveniência do posto de gasolina. Recarregamos as energias com Skols ou cocas, cada um a seu gosto, e voltamos para nosso alojamento. É hora da fila do banho. Só dois chuveiros quentes, um deles com perereca incluída. Jantamos e depois vamos para a Pousada Passo do Lontra. Lá há sinuca de graça, numa mesa torta, cerveja cara, e espaço para conversas ao ar livre. Na volta, sem sono, brincamos de um "jogo da verdade" que consiste em falar de fatos engraçados da vida do outro. O grande grupo vai dormir e alguns ainda ficam na passarela-sacada conversando e tirando fotos. Finalmente vamos dormir.

Pela manhã do outro dia, café da manhã. Depois, eu gravei mais Comunicação Direta. Aproveitamos e entramos na mata para ver a curva do Rio Miranda. Filmamos a estrutura da base e entrevisto alguns trabalhadores do local. Depois de uma reunião-aula com a professora Ruth, vamos para nosso programa predileto: a pousada vizinha. Todos sentam na passarela de madeira e conversam. Após algum tempo, Jeferson e Bel resolvem conhecer o lugar que há no final da passarela. Eu vou atrás.

Barulhos estranhos de bugio, vento, rio, alagados. "Muitas pessoas morreram construindo essa passarela", dispara Bel. Logo a frente uma placa. "Vão livre, 50 metros". Ela avisa que há uma ponte do tipo "ponte do rio que cai" do Faustão. Atravessamos e fazemos terrorismo com a Bel, balançando a ponte. Um dos momentos mais legais da viagem. Rimos muito. Mais a frente, taturana laranjada pantaneira e cocô de bugio pantaneiro. Depois percebemos que o fim do caminho dá na entrada da pousada, e nos encontramos com o resto do grupo que já estava voltando à base.

Descobrimos que há um prego no pneu do ônibus e que quatro funcionários iriam voltar com a gente de carona, levando suas muitas coisas. Indignação geral entre a galera. Todos arrumam as coisas e reservam seu lugar no ônibus. No almoço, mais música do seu Geraldo. Só ela para aliviar o ardido da pimenta da carne. É escovar os dentes e se despedir da base. Na estrada, o Pantanal se mostra e ainda tem o que ser descoberto por alguns. "Olha o tuiiui, Marina!". Ela era a única que ainda não o tinha visto. E vê dois de uma vez só.

Na estrada, entre reclamações e músicas uma boiada pantaneira. Das grandes. Quase no fim dela, percebemos uma caminhonete cabine dupla que vinha em sentido contrário. As mulheres estão impressionadas com os bois, mas ficam horrorizadas mesmo quando vêem nosso ônibus. Vamos jogando "A palavra é”... O Airton dorme.

Perto de Terenos, cruzamos com um ônibus mais velho que o nosso. É um circo, com desenhos de chapéus mexicanos no ônibus. Atrás, a frase: "Sorria, você está sendo chifrado". A sucata ultrapassando o sucatão foi a cena da viagem. Rimos muito. Quem era o circo? Chegamos sãos e salvos na Capital. As histórias não precisam nem ser contadas para dar risadas, ao ver uns aos outros já começamos a rir. Êta Pantanal...Sim, Vamos Livres!!!

guilherme - 17:03:55
envie este texto para um amigo - 4

-----------------------------------------------------------------------------

terça-feira, 25 de abril de 2006

Sem Sentido

"O carnaval de São Paulo vai se igualar ao do Rio em cinco a oito anos", dizia a matéria de uma revista de 1972. A reportagem também constata o fim dos cordões carnavalescos. Falar de carnaval em abril? É hora (quase) de Copa do Mundo, olhe a rua e veja os nacionalistas de verde-e-amarelo. Na TV, os jogadores de futebol fazem comerciais. Nas Casas Bahia, os aparelhos de TV plasma 29 polegadas não duram nas prateleiras. Tudo a 24 vezes sem juros.

Porque comprar? Carioca jamais será como o paulista e vice-e-versa (né Chico?). Não dá e não se deve imitar uma cultura, um ritmo, uma festa. Cada qual tem suas peculiaridades. O feriado serve para recarregar o sono das muitas noites pouco dormidas e para ler um dos muitos livros que estão a sua espera. Também deveria arrumar a bagunça. Mas prefere criar coisas que só ele consome e entende.

Do lixão, a lembrança, a inércia, a matéria por fazer. Falta criatividade? Crise de... Qual era a palavra mesmo? Elas fogem de sua cabeça e se escondem. Não consegue escrever. Relembra o show magnífico a que foi. O êxtase. A realização pessoal. A dança artista e a voz grave da cantora predileta. O vestido rosa cumprido marcando seu corpo roliço. As ondas do cabelo que tem tons mais claros na nuca. A sonoridade da voz, o rosto meigo de expressividade marcante, o carisma, a simpatia. A expressão corporal. A perfeição.

Conhece tudo, sem conhecer nada.

A vida e seu roteiro (melo), suas vivências. O mundo se passa longe de seu mundo. A Rota 66, as florestas, as cachoeiras, a felicidade, os prédios grandes de verdade... A oportunidade de aprender e de modificar realidades não é entendida e acaba "escanteiada". É mais fácil olhar o Orkut...

Na manhã de sábado, a faxina costumeira da qual não participa// Sai. Faz sol, a rua está clara, mais do que o de costume. Mesmo assim não percebe os detalhes, nem repara que não há viva alma fora dos lares. Em uma das casas, música e gente conversando, mas seu destino é outro lugar. Lá também há faxina e a pessoa procurada também fugiu dela. A cara inchada acusa seu estado, acabou de acordar. Volta e vai para Budapeste com escala no Rio. A viagem termina como começa e é intercala por trabalhadores mexicanos engraçados. Dois em um. Diverte-se com antigas histórias repetidas que desta vez são novidades para ele.

A amiga esquecida, a relapsa, a que o julga errado, a que o elogia e a que ele admira, mas sabe que ela vai distanciar. Aquela que ele não sabe definir, a que ele teme procurar, a que ele quer visitar e provar. As relações ele queria poder corrigir, o mundo poderia ser refeito numa folha qualquer com lápis coloridos, a bola de vôlei deslocada, os acontecimentos passam e ele perde. A desilusão com o não reconhecimento. A entrevista que não quer vir. O carnaval de São Paulo que continua querendo ser igual ao do Rio e os cordões que não existem mais e tentam retornar.

Não tente, não há o que entender, não leia (o aviso veio tarde né?). Jogue na lixeira. Só queria passar o tempo e escrever algo qualquer, mesmo que seja tosco... Preencher o espaço.

Até.

guilherme - 12:50:48
envie este texto para um amigo - 0