sábado, 24 de abril de 2010

Do pequeno cotidiano

A vida é de uma sutileza tamanha, que os filmes do Almodóvar podem não ter sentido, mas seus sentimentos e emoções gritam em quadros rubros.
Dessas sutilezas que não precisam ser ditas, mas são pensadas, pescadas no silêncio, reveladas pelo cheiro.
Sutis como o levantar de uma sobrancelha, como o revoar das borboletas, como o voraz e implacável ponteiro que marca os segundos do relógio.
E vão dando sentido à vida, explicando o mundo, preenchendo os quadros e significando o todo.

É dessa pequenez que falo, olho e sinto...
Desses segredos que não precisam ser ditos. Dessas coisas que todos já viram.
Uma miudeza presente, rica e exposta, apesar de tentar se esconder como um primeiro fio branco em um cacho negro.
Lá está ela, que olha por cima dos óculos, que se revela pela maneira que pisca.
Lá estou eu sentado no carpete do elevador, mochila no chão, caneta em punho e agenda no colo, escrevendo tudo isso para não perder a “genialidade da descoberta das sutilezas”.

As árvores falam, o filme profundo não tocou, a jornalista pinça.
As histórias – as grandes – refletem, mas as sombras e as nuances das pequenas é que valem.
Só preciso apertar o “4” e chegar em casa levemente feliz, lançando olhar curioso para as minhas convivas e jogando palavras ao vento, apesar de só querer ouvir o silêncio que bate no coração de cada uma, de cada coisa e no meu mesmo. Vou fazer isso. Amanhã será um dia cheio de atividades e ainda preciso voltar a notar as sutilezas.

[16/12/2009]

Entre Aspas: Noventa por cento do que vivemos é imaginação. Joan Didion.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Nublado, com possibilidade de chuva


As pessoas ficam cinzas em São Paulo.
É como se com o tempo suas caras fossem sendo pichadas e ficassem carrancudas e melancólicas como os milhares de prédios enfileirados pela cidade.
São tristes, de céu fechado, sempre prestes a chover.
Escondem-se nas sombras do concreto.
Falta-lhes sol, calor, motivos para sorrir...
São muitas.
Dormem cansadas nos ônibus, atropelam-se mal-humoradas na entrada do metrô, buzinam incessantemente no cruzamento atravancado...
Ostentam seus casacos marrons, as jaquetas pretas, as camisetas grafite, os corpos tatuados, os rostos barbudos, a face escondida por franjas, os olhos por aros grossos dos óculos, a cara nublando.
Saem de todos os lugares e colorem a cidade com seu monocromatismo.
O tempo, os prédios, as construções, as pessoas... Tudo parece um único e extenso céu que se encobriu num eterno outono.

[5/4/2010]

Entre Aspas: [Em São Paulo] Na falta de horizonte geográfico, o horizonte humano se estende. Paulistana lembrando que o céu da cidade vai além do que está sobre nossas cabeças.