quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Anoiteceu...

E morre aquele que foi meu primeiro amor platônico de São Paulo. Não sem deixar boas lembranças, do passado glorioso, dos flertes ao cruzar com sua imagem na rua, às tentativas de aproximação, ao quase namoro, aos amigos em comum, da emoção quando 'falou de mim', do tributo, ao obrigado do fim. Vai fazer falta JT.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Dias de jornal

Que a noite nunca chegue para os jornais. E se chegar que sejam regadas a cerveja barata, num “bar sujo”, com conversas entre pessoas de xadrez e all star sobre o futuro da profissão, sobre as pautas furadas, os desmandos da chefia... E que sejam sucedidas por manhãs com os impressos nas esquinas, nas bancas, no café... E sempre com aquele gosto de romance proibido.

Que as tardes venham com o fechamento, mas que ele seja sempre da próxima edição. Ela que permite o recomeço diário da busca utópica da melhor matéria, do furo, da função social, da reportagem, do personagem ideal e dessa loucura em tempos digitais chamada jornalismo impresso.


Entre Aspas Há entre a nossa imprensa moderna e o fato, uma distância fatal. O repórter age e reage como um marginal do acontecimento. Antigamente, o profissional sofria o fato na carne e na alma. Podia morrer no incêndio como um bombeiro; e, se era um naufrágio, o sujeito podia se afogar briosamente. Havia o risco e, não raro, o martírio. Nelson Rodrigues.

domingo, 22 de julho de 2012

Um aviso

Não acredite em mim.
Quando bebo,
rio falsamente
Como um poeta, amo sem sentir
forjo uma inteligência que não tenho.
Crio novos relacionamentos
Sambo sem saber dançar,
canto sem ter decorado uma letra sequer.
Adoto um sotaque,
pontuo com uma nova gíria.
Invento um olhar sedutor;
Faço um personagem capaz de se divertir.
E sobre mim
e sobre você
e sobre tudo
minto (mas só a noite!)

Entre Aspas: Eu era um observador espantado e infeliz de mim mesmo. Não me reconhecia nas minhas palavras e nas minhas gargalhadas. Era como se outro falasse e risse por mim. Nelson Rodrigues.

(7/7/2012)

sábado, 21 de julho de 2012

- O que eu fiz de errado? Faltou dizer ou fazer algo?
- Nada. Só não rolou o silêncio, a sutileza e a vibração.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Bem-te-vi!

O dia renascia, o sol se aprumava e os dois continuavam abraçados. Os carros e buzinas aceleravam e a obra se erguia, enquanto eles sussurravam juras de amor. Os pequenos sons vindos da cama só foram quebrados mesmo por um passarinho que rondava a janela e disparou: “bem-te-vi!”. Era hora de levantar.  

Entre Aspas: Sempre existe um mundo todo esperando pela fotografia do momento mais incrível e há sempre uns olhos esperando a hora de testemunhar todo o dia o grande lance. O voltar pra casa. O lembrar tudo de novo, e te fotografaria de novo, toda manhã pra te prender no nascer do sol. De um post do blog da “Briga”.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Paulista


São Paulo é muita coisa. É a genialidade do óbvio. A pomba que ficou marrom de sujeira. A recepcionista de unha verde musgo. A série de gravatas cinza. O encontro casual de dois amigos gays. A Paulista pulsa. E tudo hoje parece um dia qualquer de março de 2009...

Todo aquele tempo de caminhar meio sem destino, descobrindo a cidade, louco para conhecer esses seres. Hoje, sou mais um deles. O cinza e o preto dominam meu traje social e uma mochila completa o look.

Há menos ilusão e inquietude. E o temor de não conseguir me juntar à multidão é diferente, menor, mas presente. E quem ama São Paulo com todas as suas dores? Mesmo prestes a soltar um grito de chega? Quem tolera tanto ao mesmo tempo por todo o tempo? E quem nos vê de fora?

É só uma cena de confusão. O fulano que passeia com seus cachorros; a mulher que recolhe bitucas; o gordo que se diverte no celular. Um passarinho tenta em vão competir com os carros. A adolescente empunha um livro de amor. Corpos semi-exibidos após um streap-tease de roupas de frio.

O rolo de fios atrofia os galhos e entristece a árvore. O picolé parece sem gosto. O sol chama. O rock and roll brota da calçada. O charme da mulher de meia calça de bolinhas. Seu cabelo semi-louro, sua saia alta, seu requinte... É o desfile constante de vidas e cenas inusitadas. 
 
Entre Aspas: A árvore entristece ao perceber que o machado é feito de madeira. Da peça Memórias da Cana.

sábado, 21 de abril de 2012

Noite – o início, o meio, o fim


Um prostíbulo é um bom retrato da noite e das relações humanas. O movimento começa crescente, com expectativa, maquiagens vistosas, perfumes exalando, roupas no ponto, música animando e luzes em flashes.

Os primeiros a chegar se acham sortudos. As primeiras conversas são tímidas e vão ficando animadas. Por aqui, também há jogo de sedução. É um teatro em que os homens fingem que precisam conquistá-las e elas fazem charme dissimulando que não é nada disso.

O ponteiro ultrapassa meia noite. A bebida vai deixando o ambiente mais alegre. E, talvez haja um momento que seja o ápice de tudo isso, mas é tão difícil captá-lo. Acho que mesmo que soubéssemos identificá-lo, continuaríamos ali, tentando prorrogar o prazer. Mas devíamos mesmo ir embora.


A partir daí, a noite cresce. A música fica mais frenética, as luzes mais piscantes, o tilintar de bebidas mais constante. Começa aparecer o suor, a maquiagem ameaça abandonar, as camisas já estão amarrotadas, o perfume renovado já não é mais tão fresco.

A vida se encaminha para um momento triste: o fim da noite. Cada segundo que o relógio levanta parece pesar anos na cara e nos ânimos das pessoas. As músicas já não animam mais, a maquiagem já não enfeita (as mais pesadas vão ficando parecidas com a de um palhaço triste). A melancolia vai abatendo um a um dos presentes.

O tesão passou. Não haverá mais beijos, disposição para o sexo, dinheiro... As mais velhas são as que mais se desesperam. Rebolam freneticamente e parecem querer cumprir a promessa do guarda que atrai os clientes para casa afirmando que levarão “xoxotada na cara”.

Nesse momento, são mulheres tristes. Há pouca beleza no ar. Uma moça de 20 anos conta dos dois filhos que ficaram com a mãe em Minas. O pole dance está vazio. Uma delas cochila no sofá. As gargalhadas dos rapazes e o jogo de olhares e mãos deram lugares à postura largada, desânimo e a pensar em desistir dali.

É nesse momento, que aqueles que restaram questionam a presença, a alegria, a beleza, a bebida... Mas no fundo sabem que é na noite, mais especificamente no começo dela, que mora a esperança. E isso os atrairá muitas e muitas vezes, por mais desiludidos que estejam agora, às 5h40 da manhã.

Entre aspas: Queria ressentir agora o carinho e a dignidade do começo da noite. 19h15: tudo iluminado, cheio de vida, pessoas vindo, sorrisos brancos, pessoas musicais, perfumes importados... 5h40: tudo muda, tudo se desmancha, o mundo se desmancha. Só restam algumas, não são pessoas: é um pequeno exército de espectro, de gente que não deu certo, pelo menos não ontem. Restam as sobras da noite de ontem. Sobra – de gente –, que foram bonitas e inteiras. Não mais. As pessoas vão deixando seus pedaços. Somos o que sobrou de ontem, esquecidos por todos – até por nós mesmos. Nada é o que parece ser, às 5h40 da manhã. A gente não é o mesmo que volta. Afinal, nunca entramos no mesmo rio duas vezes. De uma travesti, personagem da peça Marulhos – caminho do rio, do Grupo Redemoinho.

Entre aspas 2: Há toda uma promoção tenaz e profissional na noite (...) mas está todo mundo no extremo limite da loucura e do suicídio. É uma excitação sem desejo. É uma obscenidade sem prazer. É um deserto interior, deserto inconsolável, sem uma pia, sem uma bica. E todo mundo, ali, tinha a cara vingativa dos suicidas. Nelson Rodrigues.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios

O título desse post é também o nome do filme que dá à Camila Pitanga a chance de mostrar todo seu talento. Inspirado na obra de Marçal Aquino, o título torna-se uma homenagem à atriz. É daqueles filmes que se misturam à interpretação vigorosa da protagonista, com um personagem de múltiplas facetas – e Camila consegue ser todas elas com maestria.

Como se vê esse não é um texto jornalístico e nem uma crítica sobre o filme: é elogio, com adjetivos e palavras generosas ao trabalho da atriz. Trabalho que pesa no começo do filme. Por ser atriz conhecida da TV e ter executado com mérito vários personagens, Camila precisa convencer que não é a moça da propaganda da Caixa ou da novela das 8, ali ela é Lavínia.

Está linda, brejeira, simples, arredia, fogosa... Até aí, você acha que é mais uma personagem a la Gabriela. Nos flashbacks, é uma prostituta, bêbada, drogada, decadente... Camila mais uma vez convence e, apesar de não lembrar em nada a caricata Bebel, a sua prostituta de Paraíso Tropical, novela da Globo, a gente pensa: "ah, ok, ela também já fez isso muito bem, quero mais!".

E Camila, ou melhor, Lavínia, dá mais: está fogosa e com uma sintonia incrível com Caubi (Gustavo Machado) nas cenas de sexo; é dramática quando precisa; simples na hora de passar quase despercebida entre não-atores. Mas é na parte final, quando a vida da personagem muda completamente, que você solta um: “Nossa, sensacional!”.

Ela é tão convincente, que consegue deixar no chinelo o que a reduziria a ser só uma mulher bela e com brilho nos olhos. Lavínia agora não sabe quem é e Camila está irreconhecível – e não há recursos pesados de maquiagem para isso. Seu olhar, a expressão, os gestos e a fala mostram o quão talentosa é ao nos contar, sem precisar dizer, que teve um surto psicótico.

– Esse é o momento que mais temia. Conhecia pessoas da minha família que passaram por isso. Tinha medo de ter incorporado isso. Não queria me pautar pela minha experiência. Tive encontros com pacientes. Foram anos de terapia em um filme. Eu consegui olhar como artista, com subjetividade – conta.

Camila diz ainda que trabalhou muito para o filme, fez preparação corporal, experimentou e improvisou as cenas.
 – Esse foi o papel que mais me exigiu. Amo trabalhar. Estava sedenta por uma oportunidade como essa. Foi uma surpresa maravilhosa receber o convite. Tive formigamento no corpo, não era um terreno tranquilo, mas estava querendo ir para a guerra, sair do lugar comum – diz ela, após a pré-estreia no Cine Livraria Cultura, em São Paulo.

O diretor do filme, Beto Brant, confidenciou que queriam para o papel uma atriz que os fizesse tremer ao estar perto dela. Camila é dessas atrizes. E não é porque tem uma beleza desconcertante, mas também por que é simpática; tem sorriso sincero; olha no olho; é dedicada; engajada e inteligente (casa comigo?!).

O filme foi construído com cenas narrativas, que falam por si só, sem precisar explicar. “Estávamos em um rio comum, havia uma cumplicidade, generosidade entre nós. Isso criava uma dança não só entre atores, mas também com a equipe que tinha que bailar”, afirma Camila.

A atriz conta que a primeira cena de encontro de Lavínia com Caubi é gravada em plano sequência. São oito minutos seguidos em que atores, luz, som, foco, continuidade e tudo mais tinham que estar no ponto certo. “Quando conseguimos fazer o primeiro valendo, que deu certo para todo mundo, foi como comemorar gol na Copa do Mundo. Todos se abraçaram. Nunca vou esquecer esse momento”, confidencia.

Camila diz que viu vários filmes e atrizes desde a década de 1930 para construir o amálgama de Lavínia, suas várias facetas. “Fiquei porosa. Tudo que tinha a ver com a Lavínia guardava para ter com o quê jogar”. Pergunto se houve alguma inspiração em Penélope Cruz, mas ela diz que não, apesar de gostar dela. Em uma das cenas, em que está descabelada, fumando e incrivelmente linda e sexy é impossível não fazer a ligação: Camila é nossa Penélope.

Pitanga é uma das grandes atrizes brasileiras da sua geração. Devia fazer mais cinema, seu talento e beleza são grandes demais para a TV. Apesar desse desejo, ela segue seu próprio caminho e estará na próxima novela das 6 no segundo semestre. Analisando um pouco da sua carreira, ela fez coisas bacanas na telinha e talvez falte apenas uma vilã para nos convencer de vez que pode ser qualquer coisa, sendo a grande atriz que é!

O Filme:
A estreia de “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios” é dia 20 de abril, em 50 salas de cinema de todo o país. Veja o trailer
aqui.

terça-feira, 3 de abril de 2012

São Paulo, três anos depois*:

1 – Consigo ver a beleza do pôr-do-sol e, apesar de ainda achar que a cidade podia ter mais céu, isso me faz menos falta;

2 – Continuo admirando a (Av.) Paulista;

3 – Minha aversão por Berrini e adjacências só aumenta;

4 – Ainda não encontrei uma lógica no clima e me dou mal com frequência por estar sem as roupas e acessórios adequados;

5 – O trânsito é o item que mais me irrita;

6 – Vou menos a exposições, peças de teatro, museus...;

7 – Vou mais a casa de amigos e recebo-os mais vezes em casa. Aliás, agora tenho alguns para chamar de meus;

8 – Ainda me pergunto de onde sai tanta gente quando vejo uma multidão no metrô ou qualquer outro ponto de aglomeração;

9 – Aprendi a gostar de virado a paulista, como feijoada com mais frequência, não resisto a um milho com manteiga derretida e amo pastel de feira e pizza (sempre gostei dos dois últimos, mas aqui isso se intensificou);

10 – Encontro tipos estranhos no transporte público*;

11 – Adoro paquerar no transporte público. Passar tanto tempo me locomovendo tem que ter alguma utilidade, né? Ler, dormir e escrever também são boas opções;

12 – Ainda não consigo achar o atendimento de São Paulo bom e referência como “o melhor que está tendo”;

13 – O centro da cidade me comove e acho incrível passear por lá (não gosto do termo “rolê”, mas vou guardar isso pro item 20);

14 – Encontro, por acaso, pessoas conhecidas, quase toda vez que saio;

15 – Acredito em amor em SP. Mesmo achando que a gente mora longe um do outro;

16 – Os fanáticos por futebol tomaram o lugar dos fanáticos religiosos na lista de pessoas que cansam;

17 – Pessoas morando na rua e em condições adversas passaram a ser “normal” #comolidar;

18 – Fico menos tempo comigo mesmo;

19 – Ainda não fui – e tenho muita vontade de ir – a D-Edge, Pico do Jaraguá e Cooperifa;

20 – Falo “meu” e meus amigos de fora dizem que já tenho sotaque de paulistano. É osso, mano!;

21 – Ando cada vez mais acelerado;

22 – Uso calças mais slim, camisa xadrez e barba, mas nem de longe sou indie;

23 – Não desisti de achar que posso vencer o tempo. Isso significa que saio de casa cinco minutos antes de um compromisso do outro lado da cidade e juro que vou chegar a tempo;

24 – Tenho mais liberdade, menos saúde;

25 – Às vezes, minha ficha de que moro aqui parece ainda não ter caído;

26 – Vivo numa gangorra emocional e me tornei mais bipolar;

27 – 85% das minhas refeições são fora de casa;

28 – O grau de importância do item trabalho começa a diminuir;

29 – Tenho barba, menos cabelo, mais olheira, menos barriga;

30 – Sou mais notívago e amante de bares e afins;

31 – Substitui o jornal pela internet;

32 – Vou menos e sinto menos falta de Campo Grande;

33 – O tempo aqui é muito mais intenso. Esse três anos parecem uns cinco, pelo menos.

*completos em 1 de março

**Escrevi esse texto em um ônibus e fui interrompido por uma mulher meio doida que queria saber se eu era escritor. Após um diálogo esquisito (ela perguntava de forma agressiva/debochada), desisti do papo. Ao perceber meu silêncio, ela soltou: “Saiu uma lei proibindo escrever em ônibus”. Diante do meu desdém, ela começou a me cutucar e educadamente pedi para parar de me tocar. Ela ficou resignada e continuou tentando ver de soslaio o que eu escrevia na minha agenda...

Entre Aspas: O brasileiro gosta do horror e a nossa cidade é emotiva como uma senhora gorda. Nelson Rodrigues.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

- Nas noites tristes saio em busca do amor
- E então?
- Nunca o encontrei, mas sempre volto com o dia mais alegre

sexta-feira, 30 de março de 2012

Crise do silêncio

Hoje fui ao cemitério chorar pelos mortos alheios. Sofri com a síndrome do tempo parado: não venta, não chove, aqui só se morre. Até as árvores parecem mórbidas.

Comecei a procurar o coveiro. Deve ser um sujeito magro, mulato, com mais de 50 anos e olheiras. Sim, deve ter olheiras. Não sei porque, mas acho que elas são pré-requisitos de qualquer coveiro. Não que eu conheça muitos. Na verdade, não lembro de ter sido apresentado a nenhum. Vou achá-lo... Peraí, não é contraditório vir gozar do silêncio dos mortos e ir atrás do único vivo daqui?

Entre aspas: As palavras ferem o silêncio e com suas verdades insultam o que há de mais mágico: a imaginação. GSD.

quinta-feira, 29 de março de 2012

domingo, 25 de março de 2012

O prazer de ser você mesmo


Exercemos diversos papéis para cumprir uma infinidade de tarefas diárias. Em muito deles cumprimos tabela, noutros de tão chatos somos meio autistas ou resignados de plantão. Mas há pelo menos um papel, uma tarefa, que te faz tão completo, que executa tão bem, que te dá todo o prazer de ser você mesmo.

Viviane é dentista. Após se dedicar a anos de estudo, passa a semana cuidando de bocas, trata de dentes e fica feliz ao ver um sorriso mais leve em seus pacientes. Mas é aos sábados, quando vai ao Samba da Graça que Viviane é Viviane. Coloca o vestido que melhor marca o seu corpo torneado e exibe um samba que inebria o resto do salão.

Ela estampa um sorriso sincero e chacoalha o quadril com a malemolência de quem sabe que tem requebrado. Durante quatro horas, pula, dança, meche as mãos, arruma o cabelo, ginga e chama a atenção. Até as mulheres param para vê-la sambar. Ali, Viviane é ela. No fim do samba, volta para casa suada e com os sapatos nas mãos. Na segunda, volta a se esconder sob o jaleco branco. Contudo, ela sabe que no sábado poderá voltar a ser ela mesma.

Pedro é fotógrafo. Aos 45 anos, é viúvo e com os filhos criados mora sozinho. Já passou pelas principais redações do País, cobriu grandes eventos e fez algumas fotos históricas. Suas imagens estão mais opacas atualmente e tem menos expectativas com a profissão.

Quando chega em casa, depois de dez horas de trabalho, ascende seu baseado. Do seu apartamento, do 17º andar, ele admira São Paulo, envolto dos seus fantasmas pessoais. Contempla sua muda de cannabis, que cresce em meio ao alecrim e a hortelã. Às vezes ouve uma musica, noutras fotografa a imensidão que pode ser vista da sua varanda.

O semblante de Pedro, sempre sério, muda. É ele que está ali agora, mas fica quase irreconhecível. Em algumas das suas noites solitárias pega o vilão e toca. E nos dias mais tristes registra pequenos detalhes do seu mundo particular. Pedro só é ele mesmo em sua sacada, após fumar maconha, tocar violão e tirar fotos que são só suas. Machucado pela vida, ele guarda seu melhor para si mesmo.

São esses prazeres de ter momentos tão singulares – e particulares ou coletivos (cada um de nós tem ou deveria ter o seu) – que nos faz levantar todos os dias. São eles que nos fazem enfrentar o trânsito, pagar os impostos, aguentar os vilipêndios diários, acalentando a chama dos sonhos, mantendo o brilho nos olhos.

É esse tesão que se perde quando voltamos para o cotidiano, que nos faz criar dias, descobrir pessoas, aprender a aprender e esperar o grande momento em que ocorre novamente. Essa é a grande abóbora, que faz tudo, tudo mesmo valer a pena.


[outubro 2011/março 2012]

Entre Aspas: Milagre é quando o mundo interrompe seus acontecimentos ordinários. Luiz Felipe Pondé.

domingo, 11 de março de 2012

O maior símbolo de relacionamento para um “paulistano”

Já nos conhecíamos há algum tempo. Chegamos até a flertar antes e marcar encontros, mas na última hora eu declinava. Estivemos uma vez juntos em setembro e só voltamos a nos reencontrar no fim de novembro. Foram algumas vezes seguidas. E foi bom, com diversão garantida para ambos. Achei que o fim do ano ia esfriar as coisas. Viajamos e não trocamos mensagens. Mas já nas primeiras páginas da folhinha de 2012, me ligou.

Voltamos a nos ver e estamos juntos. Nada de alteração do status no Facebook. Contudo, estamos naquela fase de compartilhar coisas.

Empresto livros, pego comidas da dispensa e hoje quando saí, ao invés de trazer meu guarda-chuva deixei lá. Sempre tenho mais de um e não gosto de carregá-los. Um fica em casa e outro no trabalho. E hoje deixei o meu lá. Isso significa?

(11-01-2011)

Entre aspas: O que dá ao homem um mínimo de unidade interior é a soma de suas obsessões. Nelson Rodrigues.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A superioridade feminina*

É deusa, valente, perspicaz, usa desculpas, têm suas razões, gerencia o trabalho, a casa e amamenta a cria. É única, mãe, multi, usa saias, tem franja, colore os lábios de vermelho, seduz com cabelos desalinhados na nuca.

É dor, quintal, fogo, usa decote, tem seios singulares, borda tapetes e recheia os bolos. É vó, forte, fêmea, usa brincos, tem celulite, inventa remédios caseiros e gosta de se apaixonar. É macho, guerreira, tenente, usa esmalte, tem charme, acaricia o colo e deixa as pernas à mostra.

É sensível, teimosa, sábia, usa jogos de palavras, têm sonhos secretos, chora com comercial e ri com a novela. É metódica, carente, trabalhadora, usa calças, tem receitas especiais, oferece seu colo e acalenta os que precisam de ti. É amante, ágil, engraçada, usa salto, tem vibrador, reza e alimenta os animais. É o mistério do mundo, a multiplicadora, a guardiã do amor incondicional, usa a razão, tem o dom do perdão, gera a vida e nunca deixa o samba parar.

*Só um amontoado de clichê.

Entre Aspas: Continuo sendo boa menina, que queria ser má, mas nunca será. Helen Mirren.

sábado, 21 de janeiro de 2012

A idade em que você pode tudo!

Há uma teoria* de que os 24 anos são o auge da beleza da juventude. É quando nos livramos definitivamente daquela terrível fase feiúra adolescente, deixamos de lado a cabeleira e o estilo mais revolto e passamos a nos cuidar mais. Aos 30, segundo outra teoria* somos imbuídos naturalmente por uma sabedoria. Recebemos essa poção mágica quase que automaticamente no nosso 30º aniversário – claro, sempre há os retardatários e os que não encontram sua poção nunca.

Mas é no meio do caminho entre uma e outra idade que está o perigo. É nela que se esconde o Super Homem/Mulher Maravilha e a sensação de que você pode tudo (e pode mesmo!). Falo da fase entre 26 e 28, quando ainda carrega grande parte da beleza juvenil, mas já usa seu primeiro Renew ou a compra a primeira boina para disfarçar um pouco as entradas iminentes. Ao mesmo tempo, se aproxima de uma fase mais serena, menos afoita e, portanto, mais sábia.

Para Young, aos 28 começa uma transição na personalidade que vai deixando de ser dominado pelo ego e passa a ser regida pelo self. Na astrologia, é quando você vai deixando de ser seu signo a caminho do seu ascendente. Tanto Yung quando os astrólogos acreditam que essa fase só se conclui aos 40, 42 anos.

Um rito natural, mais marcado em alguns casos, menos ‘traumático’ em outros e que reforça a fase do EU POSSO! Afinal, o ego super poderoso não ia abrir a guarda assim fácil para o self. Estou nessa fase e sei do que estou falando. Acredito, de verdade, que se eu decidir ser presidente dos EUA, eu posso ser. E nem é um arroubo adolescente ou viagem infantil. É estratégia armada com toda minha maturidade juvenil.

Poder tudo, no entanto, traz perigos. E nem é uma deixa clichê para falar da morte de Amy Winehouse e de outras figuras aos 27. Até porque poder tudo significa, inclusive, poder se matar de tanto se drogar. Você sabe que isso pode ocorrer, mas o que importa é o prazer – poder.

O perigo é você não fazer NADA com esse potencial todo e chegar aos 30 um sábio frustrado, acomodado e com sensação de que perdeu aquele último metrô da estação. E se acha que pode: corre, se joga, que no máximo ficará preso na porta ou se espatifará na linha. Só não dá para assistir a essa passagem sem se arriscar. E isso significa correr! Há tempo para errar e grades de proteção para aparar. Se sentir que quer voar, o cuidado é só com o vão, mas não tema em deixar a plataforma.

*Teorias formuladas por amigos dessas idades e nas quais acredito.

Entre Aspas: Não acredito em experiência moral sem culpa. Luiz Felipe Pondé.

sábado, 7 de janeiro de 2012

2011: o ano do Não

Acabo de fazer as pazes com 2011. Os anos ímpares costumam reservar sorrisos largos para mim e com esse que termina não podia ser diferente. Mas 2011 foi bipolar, de altos, baixos, conquistas e de chegar tão perto de outros objetivos, que a sensação de quase tocá-los traz um certo ressentimento por ainda não conseguir agarrá-los como merecem.

O ano começa onde termina: na areia de Copacabana, com o espetáculo celeste e fogos que podem até ser artificiais, mas aquecem o coração até dos mais incessíveis. Entra e sai ano, o Rio continua inspirador e ótima opção para passar réveillon.

No campo profissional, atingi um dos meus objetivos em São Paulo, que era trabalhar em um grande veículo. Aprendi a fazer rádio e TV profissionalmente e me joguei de cabeça nesse desafio. Aprendi a dizer Não, a ser protagonista da minha carreira e tornei-me microempresário. Lancei-me como freela, utilizei a cara-de-pau, a coragem e estou na batalha. A maior lição do ano, no entanto, foi que nunca mais, mas NUNCA MAIS mesmo, vou ficar seis anos sem férias. Elas são fundamentais para o equilíbrio físico, mental, emocional e para continuar dando conta de todas as heresias do dia a dia.

Se em 2010 foi o ano que mais trabalhei na vida (como escrevi aqui), o ano que passou foi o mais tranquilo. Horários mais flexíveis, nenhum fim de semana trabalhado, nenhum feriado e folga de 15 dias no fim do ano – quase um sonho em outras épocas. Todavia, tiveram baixos também, com dificuldades para conseguir freelas, mas o saldo, sem dúvidas, é positivo.

As mudanças prometidas para 2011 vieram. Elas foram mais internas e pessoais do que um simples trocar de emprego. Aliás, trabalho começa a deixar de ser prioridade número 1. No fim do ano, tive uma sensação de ruptura, de novo ciclo começando, uma fase ainda mais adulta, com liberdade, maturidade, independência e pé no chão para traçar os novos dias de 2012.

No campo pessoal, uma viagem ao Peru, com passagem pela Bolívia, sonhada há tempos. Ela teve execução primorosa, com direito a fazer tudo que eu queria (...). Carnaval em Paraty, Semana Santa no Pantanal, descanso em Campo Grande e aniversário da Mafer em Cuiabá também foram importantes para recarregar energias.

Uma frase que ouvi no começo do ano determinou como tentei encarar as coisas: "o segredo da felicidade é não criar expectativas". É, em grande parte, verdade e adotei o método: menos ansiedade, menos frustrações, sofrimento... Sem dúvida, é um processo de amadurencimento, mas esse estilo blasé também tira parte da graça da vida, por isso, tenho tentando adotá-lo com moderação.

Foi ano de buscar o “tesão perdido”, de realçar amizades paulistanas, de intensificar a relação amor e ódio com São Paulo, de – pasmem – não ter nenhum grande amor (existe amor em SP?). Talvez se eu tivesse consultados os astros, eles tivessem recomendado cuidado com saúde: torci o pé, tive duas conjuntivites e gastrite.

Respiro aliviado por estar melhor resolvido com 2011. Já 2012 é ano de agarrar alguns daqueles sonhos que só toquei, de continuar o movimento de 2011, de novos desafios e mais aventuras (espero). Desejo mesmo que seja o ano do Sim! – mas só caso se tiver tesão.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

- Você é interessante demais para ficar andando à solta por aí.
- Mas é daí que vem boa parte do meu charme!