quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

De soslaio*


A gente se apaixona por um olhar, por um sorriso, pela pureza exalada pelo outro. Um amor à primeira vista surge da beleza verde inesperada daqueles olhos desafiadores e meigos. Brota do que a gente espera que a pessoa seja. Renasce, reproduz e replica no dia a dia. Se alimenta do que a pessoa é, do que ela passa a ser e representar para nós.

Um amor juvenil é sincero, espontâneo e intenso - como tudo nessa fase. Do alto dos 1,80 metros de altura, aquele adolescente com espinhas no rosto e vontade de mudar o mundo, que um dia fui, amava aquela menina pela beleza de seu ser, pelo seu jeito meigo e descompromissado, pela sua personalidade dócil e forte.

Era quase inalcançável, inatingível. Intangível! Era isso que me impulsionava. Até hoje acho que o amor real não é possível. Mas durante alguns anos ele foi. Aquela timidez, as pedras de gelo na barriga, aquela vontade de parecer interessante, de agradar, aquele desejo de estar com ela, os hormônios, a química, aqueles risos, palavras e olhares nutriram durante bons anos a união de nós dois. Fomos dois, fomos um e soubemos a hora certa de sermos nós mesmos, de cada um seguir seu caminho e seus sonhos.

Não somos mais aqueles adolescentes que se apaixonam por um olhar. Seria preciso muito mais para que estivéssemos juntos até agora. Não houve vontade, sintonia e amor que resistissem aos conflitos e aflições da juventude. Passamos pela adolescência e fomos catapultados à idade adulta sem nenhum aviso, meio que contra a nossa vontade. Aquele amor juvenil já não fazia sentido em uma relação desgastada entre duas pessoas tão diferentes, com visões de mundo e futuro divergentes.

Os corpos se separaram, as línguas desentrelaçaram-se, os olhos derramaram lágrimas e lançaram olhares mais tristes por um tempo, mas depois seguiram mirando outros horizontes. Hoje distantes, olhamos para essa história com carinho. Ainda nos incomodamos ao nos rever. Afinal, como canta Chico Buarque “é desconcertante rever um grande amor, como é”. E visto com lentes atuais esse foi só um amor juvenil entre pessoas que nem existem mais. Mas como foi bom amar aqueles olhos.

*Texto produzido durante aula de Ensaio Pessoal e Memórias da Pós-graduação de Jornalismo Literário. [31/10/2009]

Entre Aspas: A qualidade literária está na reflexão abstrata. Sérgio Vilas Boas

domingo, 3 de janeiro de 2010

Apenas um sujeito médio

Época de aniversário é sempre tempo de repensar a vida, trocar de fase. Nessa fase, cada vez mais me percebo adulto, me admito como tal e me comporto como um, apesar de uma criança ainda habitar meu interior. Meus amigos também cresceram, saíram da casa dos pais, mudaram de cidade, se casaram, tiveram filhos e despontam em suas profissões...É, a adolescência também acabou...O mais difícil de se perceber como adulto, não é a idade em si ou a condição de ser responsável por si mesmo e ter que se virar sozinho, mas a sensação de que o tempo passa e que caminhamos, mesmo se não quisermos. Nesse caso, é melhor decidirmos o caminho a trilhar e nos prepararmos para a jornada... Seguindo, cada um da sua maneira, fazendo seu caminho, colhendo o que plantou e sendo hoje, justamente o que procurou para si....

Outra dificuldade da idade adulta é constatar que você não é (e não será) um gênio. Na infância, sempre achei que seria alguém muito importante para a humanidade. Eu seria presidente do Brasil, depois astronauta, depois o melhor arquiteto do País e ainda aos cinco anos decidi que seria jornalista para salvar o mundo e parar as guerras, como eu acreditava que o Pedro Bial fazia no Golfo em 1991. Ainda como jornalista, eu escreveria um livro muito vendido e que mudaria a história universal, denunciaria mazelas e melhoria a vida das pessoas. Eu seria um grande escritor, um jornalista célebre, um homem admirado.

Os anos passaram. Nunca fui uma pessoa que se destacou pela inteligência. Não que seja ignorante ou burro, mas também não sou aqueles caras naturalmente inteligentes. Esforçado e esperto, ok. Não fui aluno nota 10 na escola, não passei em primeiro lugar no vestibular e não fiz um primeiro livro genial, que foi reconhecido ou será no meu pós-morte. Eu sei, ainda dá tempo. Mas cada dia que passa luto com uma conclusão que cada vez me agrada mais, não quero ser o bom, o melhor, o reconhecido. Só quero ser eu mesmo. E, neste caso, talvez isso signifique ser um sujeito médio. Viram que ainda há uma resistência? Não assumo completamente essa constatação, talvez ainda vá algum tempo para isso...

Sempre admirei os pequenos gênios, as pessoas que se destacam, aqueles que são acima da média. A vida inteira tentei ser um deles. É isso que nossos pais nos ensinam, que os meios de comunicação valorizam, que os professores premiam com boas notas e que a sociedade reconhece. Sempre abominei os medíocres, aqueles medianos que patinam sobre suas próprias existências, se boicotando ou apenas se contentando em ser mais um. Bom, os ruins, são ruins e pronto. Esses, possuem algum défict ou têm algum problema e acabam se contentando em, no máximo, ser medianos.

Pois bem, depois de um pouco mais de duas décadas de vida, eu também quero ser um sujeiro médio! Não medíocre. Quero ser apenas melhor do que eu mesmo, com meu esforço e minhas dificuldades, minhas qualidades e meus defeitos. Não para que a humanidade me reconheça, mas para que consiga avançar sobre as condições que me foram dadas e que eu criei. Quero percorrer o caminho com dignidade e almejar não o fim, pelo fim – saltar da massa formada pela média – mas ser bom no que faço. E para isso não preciso trabalhar em um lugar que me traga reconhecimento perante os outros, mas que tenha sentido para mim, que me desafie e motive, mesmo que trabalhando em um veículo de comunicação pequeno e desconhecido. E isso tem a ver com a minha não vontade de ficar em São Paulo por muito tempo e migrar para uma cidade mais viva, feliz e com identidade definida.

Quero ser justo com os que estão a minha volta e privilegiar os meus familiares e amigos com a minha nobre e simples presença. Quero a sutiliza do dia a dia, a futilidade das conversas de cotidiano, o contato com gente, o compromisso comigo mesmo de sempre assumir desafios e avançar sobre as complexas situações enraizadas em nossa sociedade. A direção não é mais o céu, o estrelato, a fama, mas o mundo. A amplitude agora é para os lados, é em ocupar os espaços, sempre com menos. Menos soberba, menos arrogância, menos agressividade e menos ambição.

Talvez eu queira me transformar naquele sujeito bobo, que ri de tudo, que conversa com todos e que está sempre ali para ajudar. Aquele que poucos prestam atenção, e, por isso, mesmo está longe de ser notório até entre os amigos, mas está sempre pronto para cumprir sua missão. Taí, uma coisa que eu quero para os meus próximos anos, contribuir com os que estão a minha a volta e estar disponível para somar e dividir. Sentimento que os muito célebres jamais vão poder usufruir. Quis ser muito, hoje quero ser médio, talvez aos cinquenta só queira ser pouco... E assim caminha a humanidade e a gente caminha com ela. Cada um na sua jornada.

Entre Aspas: Essa conversa foi um dos momentos belos da minha vida. Já o guardei na minha caixinha invisível de memórias impalpáveis. Eliane Brum e suas sutilezas cotidianas no texto que me inspirou para esse post:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI97973-15230,00.html