segunda-feira, 2 de junho de 2014

De vida e de morte

A vida é repleta de perigos. Numa casa, certamente, mal assombrada como essa, eles vêm de toda parte. Há mais mortos do que vivos por aqui. Os últimos resistentes também se aproximam do fim da vida.

A casa grande é aterrorizada silenciosamente pelos perigos. É a árvore que destrói a grossa parede de concreto. A umidade que corrói a pintura. As rachaduras que consomem o chão. As teias de aranha que tomam conta do pedaço. As mangas que se estabefam no telhado de zinco – provocando estrondos – e caem vigorosamente no chão, ameaçando o teto e a cabeça das pessoas. O gato que passa preguiçoso entre as pernas perigando derrubar os velhos que se arrastam pelo casarão.

Os azulejos soltam, os fios despencam, a máquina de lavar foi levada para o conserto e não voltou... Os besouros monstruosos sobrevoando ameaçadores. Sapos gigantes que coaxam e tentam devorar os mosquitos proporcionalmente grandes. A modernidade que avança sem olhar para trás. As perdas subjetivas, materiais e psicológicas que convivem todas juntas no mesmo espaço.

Mas o maior perigo mesmo é algo anunciado e, teoricamente, natural: a vida que se encaminha para a morte.


[23-12-2013]



Entre Aspas: A morte estava no ar e repito: – difusa, volatilizada, atmosférica; todos a respiravam. Nelson Rodrigues.