sábado, 10 de dezembro de 2011

O Pará quer se separar - e eu não sei “nada” sobre isso

E eu com isso? É um dos temas mais pujantes da atualidade e nada, ou praticamente nada sobre ele é publicado na mídia nacional. Eu, aqui, com sede do assunto, e pouco recebo dele. Ou não é importante um dos estados da federação estar prestes a ser repartido em três? A última vez que isso ocorreu foi nos idos dos anos 80 com Goiás, e o nascimento do Tocantins.

No País do conformismo, do “está bom como está”, uma região querer se separar deveria ser notícia, tema de estudo, de série de reportagens, de explicações. Digam-me o que está acontecendo, please! Mas a imprensa paulistana, dita nacional, pouco está aí para a possível separação do Pará.

Pará? Mal ligam para ele. A distância geográfica do segundo maior estado do Brasil impede que muito de nós tome partido. É como lembrou uma amiga minha sobre o Acre determinada vez: “Se alguém quisesse tomar o Acre do Brasil, como eu iria brigar por ele? É como um primo de 5 grau brigando. Mesmo sendo da família, não tenho a menor intimidade e pouquíssima ligação para brigar por ele”, disse. A frase me incomoda, mas não consegui tirar a razão dela.

O Pará assim como o Acre é um lugar exótico para quem mora no eixo Rio-SP. Exótico simplesmente por ser desconhecido, pouco desbravado e – ressaltemos – pouco coberto pela imprensa. (Isso é causa ou consequência dessa nossa ignorância sobre as terras do Norte?). Exótico como nos faz crer essa matéria sobre o primeiro shopping em Rio Branco (http://migre.me/75XRu). Uma fina ironia e sadismo me faz rir da reportagem, me deu um pouco de dó, mas também me culpa por só reforçar um pré-conceito contra a região. “O Acre existe?”, questiona alguém no sofá.

Mas o assunto aqui é o Pará, não é mesmo? Quem me conhece sabe que tendo a ficar do lado dos menos favorecidos. De longe e com poucas informações fica difícil saber quem é “minoria’ e/ou quem “merece ganhar” no caso da divisão do Pará.

A favor da criação de Tapajós e Carajás está o fato que os últimos estados a serem criados (Tocantins e Mato Grosso do Sul) serem unidades federativas bem sucedidas. Nesse quesito, ser sul-mato-grossense ajuda a ficar deste lado, já que para mim é imaginável pensar a antiga região sul do Mato Grosso dependente até hoje da longínqua Cuiabá. A luta por essa divisão é antiga e remonta da guerra do Paraguai, nos idos do século XIX.

Se a luta pela divisão no Pará é histórica, eu não sei. Tampouco se há diferenças regionais gritantes e culturas entre cada parcela do estado que justifiquem essa mudança. O fato é que Marabá (capital hipotética do estado de Carajás) é uma das cidades mais violentas do País. A região tem um histórico de conflitos agrários, do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, ao assassinato de Dorothy Stang, em 2005.

Santarém possui uma ligação maior com Manaus, capital do vizinho e “rival” Amazonas, do que com a distante Belém. Penso o quanto é injusto essas regiões pertencerem a outra com a qual pouco se identificam. Também acho que o argumento de que essas regiões são compostas por pessoas de outros estados – Maranhão, Piauí, Tocantins, Ceará e Rio Grande do Sul, principalmente – não é demérito para a campanha.

Aliás, é um reforço. Com Mato Grosso do Sul também foi assim e isso era um dos fatores para a parte sul pouco se identificar com a capital e porção norte do estado. Que culpa têm os migrantes de outros estados, se os paraenses pouco se interessaram pela região e preferem migrar para outros locais do que para o interior do estado?

Além disso, é justo que para ser dividido precise haver consulta em todo o estado e não só nas regiões que querem se separar, já que o entorno de Belém é mais populoso e tende a se opor a criação dos novos estados? Não seria como o Brasil ter que consultar Lisboa sobre sua independência? Acho que os portugueses não iam gostar muito...

Do lado contrário, a favor da continuidade do Pará como está, tem o fato dos novos estados serem apoiados pelos exploradores do agronegócio, das empresas de papel e celulose e um forte indicativo de que a criação de Tapajós e Carajás iria beneficiar somente a elite dessas regiões. Nenhum pouco justo, não é mesmo? Somado a isso há os estudos que apontam o déficit orçamentário dos novos hipotéticos estados e de que nós é que pagaríamos a conta.

Há ainda a questão ambiental. A população da região clama por desenvolvimento, mas, infelizmente, desenvolvimento, ainda significa desmatamento, pouco cuidado/preocupação com o meio ambiente e instalação de culturas que batem de frente com a floresta Amazônica, grande riqueza do local. Mas o Mato Grosso do Sul possui 66% do Pantanal e nem por isso acho que ele deveria ter ficado junto com o Mato Grosso, ser fadado ao ostracismo, ao não-desenvolvimento e/ou a pouca ocupação habitacional.

A questão é complexa, mas o lado ambiental e da preservação da floresta deve ser levada em conta também. A presença do poder público mais perto dessas áreas, talvez, pudesse garantir uma maior preservação (é quase inocente essa consideração, não é mesmo?) e o desenvolvimento humano.

As melhores colocações sobre o caso vêm do jornalista Gustavo Patu, em coluna na Folha de São Paulo de hoje. “Talvez constatemos que divisas e fronteiras, entre as quais vivemos e com as quais se procura identificação, são meros arranjos políticos, temporários e casuísticos”.

E ainda arremata, exatamente com o sentimento que divido: “Talvez o incômodo no caso venha da necessidade de fazer escolhas sem clareza quanto aos prós e contras, se uma oportunidade única ou a catástrofe”.

Para quem quer saber mais sobre o assunto, vale a pena ver esse Observatório da Imprensa (http://migre.me/75YAk); dar uma olhada na cobertura da Folha http://migre.me/75YB1 (que mostra um infográfico com a divisão de outras unidades da federação e de criação de mais estados) e ver as matérias do JN no Ar http://migre.me/75YEL, que esteve na região.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

- Vocês discutiram?
- Conversamos. Não sou bom de confrontro, sou bom de arranjo.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

O jornalismo e a beleza

O anúncio da saída de Fátima Bernardes do Jornal Nacional foi um dos assuntos mais comentados da semana passada e abriu um leque de discussões. Uma delas, a mais óbvia para alguns e que passaria desapercebida para mim, é a questão da ditadura da juventude. É como se Fátima prestes a completar 50 anos estivesse ameaçada por um time de jornalistas jovens ou que seus tratamentos de beleza, botox e plásticas (nunca saberemos ao certo que técnicas utiliza) não surtissem mais efeito e pressionada por esses fatores ela precisasse pedir para sair.

Foi o que comentou uma amiga jornalista e feminista (com quem tenho opinião semelhante em diversos assuntos), logo quando soube da notícia. Na hora, discordei internamente e só disse que eu, enquanto telespectador do JN, ainda não achava Fátima velha e nem madura demais. Ela envelhece bem e ainda tem ao seu favor representar a sagrada família, ao lado do seu marido, editor-chefe e apresentador Willian Bonner. Nada mais adequado e ainda não abalado pelo tempo. Mas no dia seguinte à notícia e ao comentário dessa amiga, a jornalista Nina Lemos emite a mesma opinião em sua coluna na Folha Online (http://migre.me/70u1g). Nina tem sempre textos muito pertinentes e com os quais costumo concordar com cada frase (vide o texto sobre a morte do Natal, com a não exibição de um especial inédito do Roberto Carlos neste ano na Globo).

Eu discordo dessa vez por que a questão me parece preconceito às avessas. É como eu achar que toda vez que sou preterido de um emprego, isso acontece por que sou negro. Not. Isso pode até rolar, como já ocorreu, mas seria muita síndrome do vitimismo considerar a máxima verdadeira em todos os casos. Assim é com Fátima. Poderia até ser verdade que ela estava pressionada por não ser mais jovem, mas levantar essa hipótese me soa exagerado, mesmo consciente de que a ditadura da juventude é forte e impiedosa.

No caso de Fátima, ninguém discutiu seu protagonismo e coragem de dizer: cansei de apresentar o principal telejornal da emissora líder de audiência do País, quero outro desafio. Não há coisa mais admirável do que alguém que não se sujeita ao comodismo e almeja sair da zona de conforto em busca de novos prazeres. Ponto para Fátima.

Bonitinha, mas...

Com a saída de Fátima surgiu uma outra questão que provocou os ‘ânimos’ dos brasileiros: quem a substituiria? Renata Vasconcelos, apresentadora do Bom Dia Brasil, e sua beleza refinada, Ana Paula Araújo, apresentadora do RJTV, com sua ‘juventude carioca’ ou outra apresentadora mais desconhecida? Nada disso. A opção foi Patrícia Poeta. A bela apresentadora do Fantástico. Nova pausa para considerações: a principal delas é de que a moça está mais alinhada à linha informal que combina com entretenimento do que a linha mais séria do jornalismo feito no Jornal Nacional. Verdade. Neste caso, a apreensão tem razão de ser. Não dá para transformar o JN no Fantástico e misturar historinhas de ficção no meio do noticiário. Talvez Patrícia Poeta sobre (ainda mais) no JN. Talvez...

Mas a moça também foi corajosa ao trocar a apresentação do Fantástico pelo JN. Ela sabe que seu mérito é justamente essa informalidade e já declarou que terá que se conter. Mesmo assim topou o desafio. Ponto para ela também, que já tinha seu espaço consolidado no dominical e semana após semana emplacava ideias, entrevistas e vestidos que se tornavam assunto. No JN tudo isso será mais limitado. Cintos e vestidos serão banidos.

Perdem as mulheres que acompanhavam suas roupas. Perdem os homens que prestavam atenção nas suas curvas. Para um colega, atrás da bancada, Poeta perderá um dos seus principais ativos. Com um quê de machista, o comentário resume a opinião de muitos. De acordo com o blog do Daniel Castro no R7, a escolha de Patrícia não agradou aos colegas da Globo, que acreditam que a jornalista é “bonita, simpática e só”.

E só? Como “e só?”. Ou parece fácil ter empatia com o público. Para agradar não basta ser bonita, precisa realmente ter carisma e empatia, coisas que não se compram por aí, nem se aprendem em cursos. E mais do que isso: é como se a beleza fosse um problema, como se isso reduzisse a competência da jornalista. Isso mesmo, estou dizendo que a Patrícia Poeta foi escolhida para substituir a Fátima no JN porque é competente no que faz: apresentar telejornais. Ser bonita e simpática é grande parte disso, mas a tal da empatia e técnica são essenciais.

TV é também entretenimento e mesmo no jornalismo criticamos apresentadores pela sua postura, pela falta de empatia, pelas roupas e até pela não-beleza (o último quesito é crime maior para as mulheres. Aqui sim, deveriam entrar os comentários feministas). No caso de Patrícia há ainda outro agravante: o fato dela ser casada com Amauri Soares, diretor da Globo internacional.

Acredito sim, que isso a ajudou quando era moça do tempo e foi turbinada à correspondente em Nova York e até depois quando virou apresentadora do Fantástico. Mas não a manteriam lá se ela fosse um erro, não agradasse e não cumprisse minimamente seu objetivo. Assim como ela não seria alçada agora à apresentadora do JN só por ser esposa do cara, só por ser bonita...

Ela também é isso, mas é mais. Vai além nas suas entrevistas (que contam com ajuda da ótima produção do Fantástico, mas com sua personalidade também) e nos quadros que gerou (mesmo que não gostemos da mistura de jornalismo com entretenimento).

Claro, que se espera credibilidade da âncora do principal telejornal do país. E nisso Patrícia ainda tem um caminho a ser conquistado. Não que já tenha deslizado gravemente em algum momento ou que a beleza a atrapalhe nisso, mas a jornalista teve sua carreira calcada em matérias ligadas a entretenimento e, com exceção das entrevistas, é difícil lembrar de alguma grande reportagem de Poeta.

Esse texto ficou grande e até parece uma defesa da nova apresentadora do JN. De certa maneira é, apesar de eu preferir a Renata Vasconcelos no JN. Mas é uma defesa de que alguém bonito pode conseguir um posto de destaque por outros atributos também. Além disso, acho que o estilo Patrícia Poeta sobra um pouco, assim como Tiago Leifert, outro apresentador com estilo informal bastante definido, filho de diretor da Globo, mas que também se firmou por sua competência.

No mais, agora é torcer para que Patrícia sobre menos no JN, não sufoque o Bonner, o jornal e também que não tenha seu estilo completamente sufocado, ou deixaria de ser ela. Eu ainda balanço com a vinheta do jornal e adoro assistir sua escalada. Claro, que vejo vários pontos que poderiam ser melhorados no jornalístico, a começar por uma cobertura mais nacional e menos eixo RJ-SP-Brasília. Mas o JN ainda é referência e continuará sendo assim pelos próximos anos, gostemos ou não.

PS: Não esqueçamos que com o troca-troca da Globo, quem assume o Fantástico é Renata Ceribelli, de 47 anos. Ela indiscutivelmente ganha o posto pela competência já demonstrada, já que não é o tipo bela-fatal, mas também teve seus dias de se adequar a outra parte da ditadura da beleza que é o da magreza, ao participar do reality Medida Certa, dentro do dominical.

domingo, 13 de novembro de 2011

O caminho do céu*
























* Fotos tiradas em Águas Calientes, Wainapichu (montanha jovem, na língua quéchua - usada pelos incas) e na trilha da ponte inca. Todos esses lugares ficam nos arredores de Machu Pichu, no Peru, onde tive a sensação de ter tocado o céu.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

sábado, 5 de novembro de 2011

Volto, quem sabe, um dia

Entre o rio e as montanhas, o trem balança e segue nos vales que os incas consideraram sagrados. A rede elétrica desafia a natureza e se esgueira entre as pedras, o mato, a areia e as nuvens. O caminho é curvo, como o curso do rio. Um nada grandioso.

Pedras para construção, para escudo, para viver, para cortar o caminho por meio de túneis. Amontoadas formam a montanha; enfileiradas em círculos sustentam o cultivo das plantas; molhadas fazem parte do rio. Amarelas, verdes, roxas, pretas, cinza, com escritos, juntas, solitárias, com flores, pontudas, redondas, pequeninas, grandiosas...

Um tchau abandonado em uma casa de madeira no meio de tantas rochas. A mata se fecha e tenta esconder as pedras, mas dura pouco. O verde é agraciado pela companhia das rochas. O teto de vidro, o cheiro da fina garoa, a música ambiente, o balanço do trem e a magnitude da paisagem que dialoga e se mostra vão te deixando em paz. Pode parecer exagero – e deve ser – mas consigo sentir a essência do rio, da selva, a alma das pedras... Podia até meditar aqui, mas nem preciso disso para alcançar o céu.

[19/10/2011]

Entre Aspas: Volto, quem sabe, um dia/ Porque os trilhos já tiraram do chão/Olho as tardes, vivo a vida/Nada é em vão. Da música 'Viagem', de Vanessa da Matta.

domingo, 30 de outubro de 2011

sábado, 29 de outubro de 2011

O deserto e aquilo que balança

Mesmo no meio do nada há dois caminhos, duas estradas, muita areia e alguma água – o que pode nos fazer atolar...

O movimento é o que balança os poucos arbustos da estrada. A gente trepida no meio do nada.

O céu desanuvia, esconde a lua, engole seu cinza, deposita gotículas de água na minha janela.

A gente viaja.

Uma busca que parece encontrar aqui, no meio desse nada, a milhares de quilômetros do conhecido, aquilo que só nós mesmos podemos perder, mas também encontrar: o EU!

A natureza se exibe sem medir tamanho.

A lua volta a parecer atrás do morro.

São 6h, 6h30 da manhã de uma quinta-feira e a Bolívia desenha um cenário novo.

Não ter nada além de areia, morros e arbustos no campo de visão dá um certo alívio.

Agora uma placa indica que estamos no quilômetro 132. Lembrança de que isso é uma estrada, que outros já tiveram por aqui e, talvez o mais importante, que ela nos leva a algum lugar.

Voltamos a trepidar com força.

Por las rutas del salar, reforça o letreiro do protetor da poltrona à minha frente.

Sinuosa, com neblina, de terra branca, com céu azul amanhecendo e uma lua a clarear...A estrada abre caminho para os viajantes passarem.

A lua é tão bela que fere a aridez do cenário.

Venta e a areia teima em se desprender do chão.

A lua desafia os sinais laranjados do sol.

A lua vira quase um borrão, enquanto o sol tenta se livrar de uma nuvem negra para se mostra por inteiro.

O caminho é difícil para ambos e em alguns momentos parecem recuar, desistir, mas teimam e seguem seus destinos.

O sol chega ao meu rosto.

A sombra do que somos agora atinge a pedra: só mais um veículo em movimento.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Direto para Porto Murtinho


Não existe um ônibus que leve passageiros da capital paulista à cidade sul-mato-grossense da fronteira entre Brasil e Paraguai. Mas Porto Murtinho é ligada ao estado de São Paulo por uma BR, uma estrada federal, a 267. E o trajeto entre as cidades pode ser feito com escala em Jardim, num ônibus da viação Motta, com viagens às terças e sextas ou com passagem em Campo Grande, o que possibilita ir em qualquer dia da semana.

Apesar dos seus 15,3 mil habitantes, segundo censo do IBGE em 2010, Murtinho, como é chamada pelos seus moradores, é metida. Tem porto, aeroporto e uma identidade bastante marcante. O isolamento da cidade é fator importante para esse aspecto. Está localizada a 200 quilômetros do mais próximo município de Mato Grosso do Sul, Jardim, e a 454 quilômetros da capital do estado, Campo Grande.

Distante dos centros sul-mato-grossenses, Murtinho se abre para o Paraguai. Do outro lado do Rio Paraguai, você está no país vizinho, numa ilha chamada Margarita ou numa colônia denominada Carmelo Peralta. A uma hora dali, está Valhemi, a cidade mais próxima do lado paraguaio. É de lá que vem as motos que agora dominam as ruas da cidade. Com R$ 2 mil, grande parcela dos moradores substituiu sua magrela pelo veículo de duas rodas motorizado.

É do Paraguai que vem boa parte dos habitantes. É de lá que vem o sotaque, as palavras em guarani, o costume de tomar tereré, de comer chipa e sopa paraguaia. Precisa de uma tecla SAP? Confira no pé do texto o que é cada uma dessas coisas. Se esses costumes são reproduzidos em todo o Mato Grosso do Sul, Porto Murtinho prova que é mais Paraguai do que Brasil também no fato de cultuar a imagem de Nossa Senhora de Caacupé¹, de festejar o Touro Candil², de comer lambreado³ e ouvir catchaca³¹.

Parte dos moradores trabalha em fazendas na criação de gado, outra na prefeitura, onde se ganha o salário mínimo. O frigorífico Marfrig paga um pouco melhor para os que desossam bois. Do exército, vem a classe média alta da cidade. O comércio é tímido. O turismo se sustenta da pesca e já foi alvo de denúncias pelos fins sexuais de alguns passeios. Outros 1,1 mil recebem o Bolsa Família do Governo Federal.

Os bairros ganham nomes óbvios. O conjunto habitacional é Cohab. A parte do fundo da cidade é o Fundão, até recebe denominação de Salin Kafuri, mas ninguém se refere ao lugar assim. O Joquey Club é o bairro vizinho ao antigo local que abrigava as corridas de cavalos. Já o centro é extenso, pois antes nada recebia o nome de bairro.

As casas de Porto Murtinho não ficaram às escuras nos apagões nacionais que atingiram os demais municípios sul-mato-grossenses nos anos 2000. A distância e o pouco número de habitantes nunca encorajaram a Empresa de Energia de Mato Grosso do Sul (Enersul) a levar linhas de transmissão para a cidade. E a luz continua a ser feita a partir da queima do carvão em uma termoelétrica exclusiva para os murtinhenses.

Praça de eventos

A prefeitura não se preocupa muito com a sustentabilidade. A cidade fica o ano todo colorida com luzes, que antes serviam apenas para anunciar o Natal. A praça é um dos pontos enfeitados. O local ainda é o principal encontro dos jovens da região. Ali fica uma locomotiva Maria Fumaça, que marca o período em que um trem ligava a cidade à fábrica de tanino, localizada no antigo distrito operário de Quebracho. Há um mastro com uma bandeira, que lembra que isso aqui é Brasil. No seu entorno, ficam a sorveteria, a pizzaria, o Banco do Brasil (o único da cidade), a Receita Federal, o CineTeatro, que abrigou um cinema nas décadas anteriores, foi abandonado e hoje revitalizado abriga palestras e filmes esporádicos (não-comerciais).

Em frente à praça, também fica a Praça de Eventos, um local criado pela prefeitura para abrigar os shows e eventos da cidade. A alguns passos dali, está o antigo Mercadão, que reformado virou “Praça de Alimentação”, vendendo comidas típicas para turistas e moradores da cidade. “Nem parece Murtinho”, comenta uma moradora, admirando o aspecto do local. As índias e paraguaias que antes vendiam peixes, grãos, mandioca, ervas e outras iguarias no mercado foram expulsas e agora se abrigam em barracas esparsas nas franjas da cidade.

É ao lado da Praça de Eventos que cruzo com o prefeito Nelson Cintra e sua esposa, que é primeira-dama e secretária de Assistência Social - um clássico das cidades interioranas. Cintra tem o porte de quando Faustão ainda era gordo. Talvez ele seja um pouco mais largo nos quadris do que o apresentador era. O rico fazendeiro usa calça jeans e camisa branca por dentro da calça. A primeira-dama usa o tradicional cabelo curto-escovado-loiro.

Simpáticos, eles cumprimentam os passantes. A prima, que nos acompanhava no passeio, disse que minha mãe era filha de Murtinho e tratou logo de me apresentar: “Esse é um primo nosso. Ele é jornalista e trabalha no Estadão em São Paulo!”. Minha mãe exibia um sorriso. Eu repliquei uma versão constrangida dele. O prefeito perguntou o que achei da cidade e, enquanto eu respondia “Está bonita”, ele já me convidava para um café na prefeitura na segunda de manhã. Tentei dizer que ia embora antes, mas ele nem ouviu.

Freedom

A Rua Joaquim Murtinho começa do dique, um muro de contenção que envolve a cidade e a protege do Rio Paraguai. Porto Murtinho fica, literalmente, na curva do rio e já foi atingida por enchentes na década de 80, antes das mudanças climáticas serem responsabilizadas por esse tipo de acontecimento. É o dique que impede que a brisa do rio chegue até as casas e abrande o calor que chega fácil aos 40 graus. O céu aqui costuma ser azul, sem nuvens e com um sol que parece não se deter em nenhuma barreira antes de atingir os miolos das pessoas.

Na esquina da Joaquim Murtinho com a via que margeia o dique fica a prefeitura. O prédio antigo dá as costas para a cidade e se vira para o Paraguai, com sua frente para o rio. Uma escadaria facilita a subida das águas do Paraguai até o prédio, que também esteve abandonado por anos até ser revitalizado e voltar a abrigar a administração municipal.

A Joaquim Murtinho corta o centro e é um das poucas ruas asfaltadas do início ao fim. Em outra de suas esquinas fica a casa onde morava D. Assunção, a falecida mãe de Zeca do PT, ex-governador de MS, filho da cidade. Ali também fica um antigo prédio que abrigou o Bar e a Casa Formosa. Um armazém sortido, como era classificado o antigo comércio da Família Soares, no local.

Nessa casa mora a matriarca da minha família, Lúcia, tia-avó que criou os irmãos mais novos, quando os pais morreram. Ela resistiu ao tempo e ainda toma conta do casarão. Do Armazém restaram as máquinas registradoras, um cofre e um balcão. Do Bar, a mesa de sinuca. Sem nunca ter casado, nem ter filhos, Lúcia é dessa gente que dedica toda a vida para cuidar dos outros. E do alto dos seus 84 anos ainda cria Bianca, uma “bisneta”, que agora tem 11 anos e já inverte os papéis, e de um irmão alcoolista.

[Minha mãe e Bianca em frente ao prédio da prefeitura]

Do lado da extinta Casa Formosa, ficava a Casa do Fazendeiro, onde por anos vendeu-se chapéus, estábulo e materiais para serem utilizados no campo. O comércio estava sempre cheio de homens atrás de chapéus, fivelas e botas, que ostentavam suas masculinidades com suas potentes caminhonetes. A Casa também fechou.

No seu lugar, foi aberta a primeira boate da cidade. E esse fim de Brasil mostra que está antenado à evolução do mundo moderno. O local chamado de Freedom ostenta cortinas coloridas e abre apenas sextas e sábados, e é hoje, ao lado da Andorinhas, a única danceteria de Porto Murtinho. Enquanto a Freedom é uma boate gay, a Andorinhas é um tradicional clube que toca vanerão, polca paraguaia, catchaca e músicas sertanejas e é frequentado por um público que já passou há algum tempo dos 30anos.

No sábado chamado de “da Paixão” pelos cristãos, o dia que antecede a Páscoa, a dúvida era se os donos da boate iam ignorar o “dia santo” e abrir as cortinas. “Eles não respeitam nada”, comentava uma vizinha pela manhã. Mas à noite as luzes coloridas não piscaram e as músicas dançantes não entoaram. A Freedom ficou recolhida.

Do outro lado do rio

Os chalaneiros se amontoam nos pés do dique. Em suas embarcações, levam moradores e turistas até a outra margem do Rio Paraguai. Para realizar a viagem entre Brasil e Paraguai não pedem identidade, passaporte ou qualquer outro documento. A travessia (ida e volta) sai por módicos R$ 3 por pessoa. Do outro lado, está a Isla Margarita, que como o nome anuncia é uma ilha de água doce, que fica no meio do rio.

Ao invés das chalanas - canoa com remos -, a travessia pode ser feita por barcos motorizados. A viagem dura cerca de 10 minutos nas embarcações não-motorizadas. Em tempos de cheia no Pantanal, algumas das construções do outro lado estão próximas de serem inundadas. Nada grave, já que o Pantanal vive da pulsão entre a fase de seca e de cheia todo ano.

Na Isla Margarita, há três comércios de muambas chinesas trazidas sem pagamento de impostos. Por lá, você encontra pneu, perfume, bebida, produtos eletrônicos e principalmente material para pesca. As mercadorias, informam o vendedor, são subprodutos, sobras do que é vendido em Pedro Juan Caballero e Cidad Del Este, cidades tradicionais no comércio de produtos falsificados.

O povoado deve ter menos de 100 moradores, mas conta com uma rádio, um dentista, uma subprefeitura e um destacamento da Marinha paraguaia. Da igreja católica, vem a cantoria de um desafinado coral de crianças em espanhol. Aqui também se fala guarani e todos se comunicam em português ou portunhol, afinal  a maior parte dos visitantes é proveniente do Brasil.

“Nambrena”

Das misturas das línguas surge um vocabulário próprio, repleto de neologismos. “Aviassido”, por exemplo, deve ser um derivado de “Havia sido”, mas é usado numa toada só, quando os murtinhenses querem dizer algo como “Aviassido que a fulana está grávida”. Um outro morador local pode responder: “Nambrena, todo mundo sabia disso”. Nambrena é, portanto, uma negação, algo como “nada disso”.

Numa possível continuação desse diálogo você poderia ouvir: “Quati! Ninguém tava sabendo disso ainda”. Quati é uma interjeição, usada para dar ênfase e em alguns casos assume a mesma função do “égua” usado por paraenses.

Palavras e entonações que vão dando o tom a essa cidade de terra branca, onde o esgoto corre a céu aberto nas vielas dos bairros. Lugar em que se encontra carneiros, patos e galinhas pela rua. Cidade que ostenta construções antigas, de um tempo que abrigou disputas da Guerra do Paraguai, fábrica de erva mate e de tanino. De um povo que se orgulha da sua terra e dessa fronteira entre a simplicidade e a alegria.


SAP:
Tereré: bebida gelada feita com erva-mate. Uma espécie de versão gelada do chimarrão gaúcho.

Chipa: salgado de queijo, feito com polvilho. Lembra o pão de queijo, mas tem formato de ferradura.

Sopa Paraguaia: torta de milho salgada. Não é líquida. O nome do prato parece ter resistido ao tempo, já que na Guerra do Paraguai, os soldados precisavam transportar a iguaria bastante consumida na região e transformaram-na em sólida. Nesse site há outras teorias sobre como a sopa se transformou em sólida.

1-Nossa Senhora de Caacupé é a padroeira do Paraguai e patrona de Porto Murtinho.

2- Touro Candil: Lenda paraguaia, onde dois touros disputam por meio de duelos culturais na arena a paternidade do famoso Touro Candil. A disputa é entre o Touro Bandido (verde) e o Touro Encantado (amarelo) em uma brincadeira com música e dança.

3-Lambreado: bife com ovo e farinha de mandioca.

31 – Catchaca: ritmo dançante paraguaio, popular também na Argentina. Veja uma música aqui. A versão mais moderna dele é uma espécie de releitura funk, chamada de reggaeton, que faz sucesso também nos outros países latinos.

*Título em homenagem a Maria Fernanda e as inúmeras conversas que quase sempre terminavam em gostosas gargalhadas. Numa delas, ela me zombou por comemorar ao conseguir ir “Direto (de São Paulo) para Porto Murtinho”.

**Texto produzido com apoio de Julio Simões, amigo jornalista interessado em questões sul-mato-grossenses.

Entre Aspas: Toda viagem, seja curta ou longa, para perto ou para longe, é sempre para dentro da gente. Abre uma possibilidade única de nos enxergarmos – e aos outros – com olhos novos. Eliane Brum.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Vazio urbano*

Era uma manhã de segunda-feira nublada em São Paulo. O verão tinha acabado junto com o fim de semana. Os próximos dias eram de trabalho e tentativa de resolução de pequenos problemas domésticos, financeiros e de saúde. A previsão era, portanto, de novos dias nublados.

Mal tivera tempo de tomar banho. Saí de casa sem tomar café, sem comer algo... Ainda nem tinha acordado direito e o humor não era um dos melhores. Minha tarefa era ir até uma esquina de Higienópolis para colher a assinatura de uma amiga e pegar um comprovante de seu endereço – parte das burocracias para abrir uma conta bancária.

Exercia a penosa arte de esperar. Meu tornozelo, torcido na semana anterior, lembrava que ainda não podia ficar muito tempo em pé. Tentava me distrair. Olhava o taxista que fazia uma conversão errada; a moça bonita e apressada que, por segundos, ficou descalça ao descuidar do sapato de salto alto; o gay que fazia caminhada; o executivo desalinhado; e, enfim, o vendedor de frutas, que dividia aquela esquina da Angélica com a Novo Horizonte comigo.

Naqueles 20 minutos só um rapaz ‘sem rosto’ havia comprado um de seus produtos. – o abacaxi é R$ 3 –, disse referindo-se as fatias de frutas comercializadas num saco plástico. Eu não dava muita importância para a cena. Mas seria com aquele vendedor de frutas que compartilharia o testemunho de uma situação inusitada.

Perdia-me em pensamentos confusos e abstratos, quando ouvi em alto e bom som:
– Bom dia!
As palavras tinham sido disparadas por uma senhora gorda, na casa dos 45 anos, que usava saias e tinha jeito materno. Não era um ‘bom dia’ qualquer. Ele vinha de uma voz simpática, num tom sincero e arrancavam-me dos meus devaneios internos e me chamavam para uma realidade mais doce do que eu pintava.

Fiquei atônito ao despertar do meu fluxo interno e ver que o ‘bom dia’ não fora respondido nem pelo vendedor de frutas, nem por mim. O cumprimento tinha sido dirigido a ele ou a mim? Não importava muito, na medida em que não foi respondido. Mesmo sem ter devolvido palavras cordiais, o dia bom desejado pela mulher já surtia efeito em meu ser. Meu cérebro que, até então, reproduzia uma sensação de ‘desprazer’ recebia agora ordens para gerar substâncias que provocassem leveza de espírito.

O dia, talvez, pudesse mesmo ser bom. Mas numa terra que se esconde atrás do concreto é melhor duvidar do determinado. Afinal, a cidade sempre te lembra que nem o céu pode ajudar a decifrar o que vai acontecer...

...Num descuido da pressa, na corrida para alcançar um ônibus, um homem trompa em uma senhora. Ele percebe, mas continua a correr. Ela faz expressão de espanto e num espasmo tomba. Esparrama seu corpo miúdo pelo chão. No ponto de ônibus, todos vêem, mas fingem não perceber. – Que ônibus é aquele lá atrás? – indaga uma moça, preocupada se vai conseguir chegar no horário no trabalho.

O ônibus, que eu peguei para voltar para casa e do qual observava a cena pela janela, arranca em poucos segundos. Novamente não tenho possibilidade de reagir. Penso em descer no próximo ponto para perguntar a senhora se “(estava) tudo bem?”, mas do vidro traseiro a vi levantando.

Jamais conseguiria alcançá-la. O vestido branco deve ter sujado e amarrotado. Recomposta, ela pegaria o próximo ônibus e teria um longo e difícil dia, com refluxos de lembrança daquela cena.

Quando resolvi passar a catraca, catei minhas últimas três moedas de R$ 1 do bolso e entreguei-as à cobradora. A mulher me encarou e me disse: “Bom dia”. Ela só podia estar de brincadeira. Sorri, abaixei a cabeça, mas dessa vez consegui responder: “bom dia!“, antes de ser enxotado da catraca pelo homem dentro do terno.

Sentei e em poucos minutos estava de volta aos meus devaneios. Pensava agora que essa senhora com cara de sofrida talvez tenha sido aquela moça que um dia ignorou as saudações de Drummond, mas que agora passava os dias a distribuir “bom dias” à multidão... (sem matas onde possam ecoar).

[21 a 30 de março de 2011]

*Crônica de uma vida real e imaginada: cada um dos personagens tem um pouco de minhas ações.

Nota do blog: Sei que faz tempo que não posto aqui. E que talvez demore outro tanto para postar. Culpa da falta de inspiração e talvez de uma fuga de ‘reflexões’. Nada que abale a vida de ninguém e que causa falta maior para mim mesmo.

Sem aspas por hoje.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

De onde as palavras vêm

A matéria que produzi como um dos trabalhos da pós de Jornalismo Literário nasceu de um texto publicado nesse blog (confira aqui).

O ensaio foi publicado em dezembro de 2010 no Texto Vivo.

E apreveitei para publicá-lo também no meu blog de jornalismo literário sem as edições do site.

Aqui você confere os bastidores que me levaram a escrever sobre o assunto:

Making of - Ana e eu

Esse texto é um grito. Uma resposta. É como se eu devolvesse todos os sentimentos que experimentei quando vi Ana pela primeira vez. Como se isso ajudasse a desafogar uma série de reflexões e angústias que alimentava dentro de mim.

Escrever um ensaio pessoal foi, antes de tudo, um ato de superação. Sempre achei que não tinha experiências suficientes para contribuir significativamente com os leitores com quem iria compartilhar o texto. Achava que grande-reportagem, por exemplo, era muito mais valiosa do ponto de visto jornalístico. Tinha medo também de me expor, de expressar meus juízos de valores, meus pré-conceitos, de ser eu mesmo. Tinha medo de “travar” e de no final escrever um texto chapa branca que me mostrasse com um ser superior e sem defeitos.

Não foi nada disso que ocorreu em “O choro dos olhos”. Comecei a matéria a partir da curiosidade que aquela moradora do Minhocão me despertava. Queria contar sua história, escrever seu perfil. Ela fazia parte de uma parcela da população por quem sempre me interessei: os extremamente pobres. Mas havia algo a mais naquela mulher. Ela me despertava pensamentos e reflexões.

Com o passar do tempo e feita as primeiras entrevistas, percebi que mais do que sua história, – que ela parecia não querer contar para não precisar lembrar de seu passado -, me interessava o que ela me provocava. E isso foi mudando ao longo dos dias em que convivemos e vai sendo expondo durante a narrativa.

Deixei as coisas fluírem e estou no texto o tempo todo, mas não estou sozinho. Fico sempre acompanhado de Ana e de todo o universo que a cerca. A partir dela vou caminhando para entender questões universais, com reflexões que surgem a partir desse ser tão singular.

Eu mesmo vou me tornando um sujeito desse universo. A imersão no mundo de Ana é para entender o que ele provoca em Guilherme. Somos humanos, temos qualidades, limitações, escolhas próprias...

É uma história em que não só me coloco no lugar do outro, como sou o outro. A matéria estava dentro de mim, esse tempo todo. Ela precisava de tempo e motivo para ser maturada, precisava de um incentivo. Migrante, morador de São Paulo há menos de dois anos, esse texto faz parte do meu período de descobertas na cidade, dos incômodos e debates internos a partir do cotidiano nessa metrópole.

O texto pretende continuar dentro do leitor, fazer com que pense, reflita. É uma narrativa que fala sobre as falsas aparências. Sobre quando piedade causa mais um desejo egoísta do que a vontade de realmente ajudar o próximo. É um texto mais recheado por silêncios do que por diálogos. Por reticências do que por fatos detalhados. Características bem presentes na fala ou na não-fala de Ana.

Uma mulher protagonista, que após uma primeira conversa livra-se da piedade que poderia causar pela sua situação. Ela é bem mais do que um ser que mastiga e lacrimeja. Possui prazeres, defeitos, qualidades e vive independente de mim ou de qualquer outro sujeito “caridoso” que atravesse a Avenida General Olímpio da Silveira.

Uma mulher que me remete ao cego que mastiga chicles do conto “Amor”, do livro “Laços de Família” de Clarice Lispector. Ana me modifica sem precisar se mexer. Provoca-me por ser ela mesma. E o texto busca sentidos para tudo o que percebo, para o que me aflige e, jornalisticamente, busca algo que uma frase do Galbraith resume bem: “Gostaria de, com o meu trabalho, levar um pouco de conforto para os aflitos e um pouco de aflição para os confortados”. E nesse caso, a aflita não é Ana e o confortado não sou eu. Todos nós acabamos por ser um pouco dos dois.

domingo, 9 de janeiro de 2011

2010 de trabalho. 2011 de mudanças


2010 chegou com as sete ondas puladas na Praia de Boa Viagem, em Recife. Começou intenso, marcando presença numa noite de réveillon que terminou com o nascer do sol e com um cheiro, vice?

No carnaval, a tranquilidade do Pantanal, da pacata Porto Murtinho e de um lugar que remete aos meus antepassados e a mim mesmo. Foi um ano de viagens: além de Pernambuco e Mato Grosso do Sul, fui a Porto Alegre, Santos... O trabalho me levou a Salvador, Rio, Paraty, Curitiba e São José dos Campos.

Foi, sem dúvida, o ano em que mais trabalhei na vida. Pela primeira vez, fiquei 24 horas acordado para dar conta de todos os compromissos que havia assumido. Agosto foi o auge desse processo workahorlic e deve refletir até hoje nas minhas olheiras.

Também me diverti. Fui ao Rio na semana santa e ganhei um bronzeado que me deixou negão por uns dias e descascando por outros tantos. Experimentei, involuntariamente, ficar cinco meses sem ir a Campo Grande e senti na pele o que é saudade.

Período de estudos, de conclusão da pós-graduação de Jornalismo Literário e de fazer curso para jornalistas econômicos na FAAP-MBA.

Conheci a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de outra forma e fiquei ainda mais deslumbrado com tudo aquilo – um dos melhores momentos do ano!

Em algum momento de 2010, pensei em voltar para Campo Grande. Cheguei a estudar uma proposta de trabalho lá, mas São Paulo já tinha me envolvido. Mesmo na capital paulista, estive nos melhores acontecimentos da cidade morena (aniversário da minha mãe, da minha avó; eleição; casamento da Marina e do Afonso e da Marina e do Luíz, além do Natal).

Foi um ano de me apaixonar por São Paulo e ver alguns sentidos em toda a sua grandeza. Ano de paixão arrebatadora, ensaio de relacionamento à distância e um término difícil de digerir.

Tempo de receber amigos na minha casa; de estreitar meus laços fraternos com a Marcelle; de procurar novos desafios e de questionar onde estava o meu tesão perdido. As últimas páginas do calendário viravam e 2010 teimava em persistir intenso. Às vésperas do Natal, ganhei um presente do Papai Noel: um novo emprego. A entrega ficaria pro meu aniversário, em 3 de janeiro, já no 2011.

2010 confirmou, assim, a sina dos números pares na minha vida: um período de construção, preparação e muito trabalho para garantir as realizações e as mudanças nos anos ímpares.

2011 começa com outras ondas, no réveillon de Copacabana. Uma festa mágica, com cenário e energia indescritíveis. Ali nasceu um ano para chamar de novo. Mais uma vez quero trabalho, claro, mas também amor, saúde, viagens, dinheiro e aquela impalpável qualidade de vida.

Um ano ímpar, 11, que chega com mudanças, promete desafios e realizações. O pedido é que seja grandioso e inspirador como São Paulo e que reserve boas surpresas como os fogos de artifício que dançaram no céu carioca saudando: Feliz 2011!