quinta-feira, 23 de julho de 2009

Como um conto de Clarice

Voltava feliz para casa depois de lembrar de passar na padaria predileta e comprar os pães que classifica como deliciosos. Curtia a brisa de um fim de tarde bonito, após um dia de julho mais quente que o comum em São Paulo. Havia sido um dia pouco produtivo no trabalho, mas nem isso incomodava mais. Caminhava pensando na vida, ziguezagueando pelos cerca de 20 quarteirões que separam o local de trabalho da casa.

Percebeu que atravessava o trecho de uma rua que nunca tinha estado antes. Sorriu internamente. Gostava de transitar por novos lugares, ver novas paisagens. Passaria pela lateral do metrô Marechal Deodoro e alcançaria a General Olímpio da Silveira, a avenida que carrega consigo o Minhocão, seu vizinho ilustre.

Foi aquela senhora sentada ao lado do metrô que lhe tirou do cerne. De olhar perdido e cheios d’água, ela parecia mastigar alguma coisa. A cena durou meros segundos, mas o tapa na cara foi tão forte que o sente até agora. Havia caído do seu pedestal e se juntado a ela. Talvez nunca mais fosse a mesma pessoa. Aquela imagem reverbaria por muito tempo em sua cabeça.

Os outros moradores de rua não pareciam sensibilizar mais, já quase se encaixavam no quadro que retratava seu cotidiano. Mas aquela senhora ali, indefesa com um problema nos olhos, passando por todos os terrores da rua. Não teria casa? Filhos? Alguém que a ajuda? Dormiria aquela noite ali, sentada ao lado do metrô?

Teve vontade de pegar sua mão e conduzi-la até sua casa. No caminho, se apresentariam e saberiam tudo o que é possível de uma vida em dez minutos. Longe da rua, limparia seus olhos com colírio e algodão, pentearia seus cabelos grisalhos e desgrenhados e esquentaria suas mãos frias e trêmulas. Ouviria suas histórias e conselhos de vó. Talvez colocasse a cabeça em seu colo e fecharia os olhos enquanto ela faria cafuné. Não fez nada disso. Quando se deu conta, seus passos largos já tinham afastado daquela senhora.

Pelo menos os pães poderia ter dado a ela. Nem isso. Quando o trajeto estava completo e finalmente, passava manteiga no pão para saboreá-los, engoliu-os com desprezo de quem estava em dívida com alguém. Tinha vontade de fazer sua parte e despejar seu conta-gotas no incêndio que é a miséria em São Paulo. Naquela noite nada fez.

No outro dia, acordou e ao pentear os cabelos, era como se sua imagem refletisse a da velha. Cabelos desgrenhados, olhos cheio d’água, boca mascando. Estava fora de si. Piscou os olhos novamente afastando aquela cena incômoda. Voltou para a rotina mecânica tentando esquecer tudo o que aquilo representava. Até conseguiu durante metade do dia. Mas depois do almoço, voltava para o trabalho, quando viu um outro morador de rua que dormia sobre a mão calejada e estendida, como se pedisse esmola mesmo durante o sono. O contraste da sujeira negra dos dedos, da mão branca e suas marcas, trouxeram à tona todos aqueles sentimentos de novo. Tinha culpa engasgada em seu ser. Não teria jeito, precisava agir.

***
+ Texto dedicado à Amanda, amiga poconeana, que me lembra os personagens de Clarice e nem liga mais pra mim.

Entre Aspas: Gostaria de, com o meu trabalho, levar um pouco de conforto para os aflitos e um pouco de aflição para os confortados. Galbraith

quarta-feira, 22 de julho de 2009

É tudo verdade (!) (?) (...)

Saí do trabalhado estressado naquela noite. Tinha vontade de xingar todo mundo que via pela frente. Não que tivesse acontecido algo ou que houvesse motivos aparentes para isso. Até tinha, mas era apenas um sentimento, um desejo. O jeito seria ir para um bar beber e relaxar.

Sentei no balcão e pedi uma pinga. Virei aquela dose em um gole e parti para a segunda. Engatei um papo sobre amenidades com um desconhecido. Dissequei uma garota bonita que tinha uma bunda que dialogava com meus olhos. Ela devolveu o olhar. Tudo fez sentido naquele momento. A vida era aquilo e não o resto que tinha vivido até então. Quando dei por mim, naquela noite que minha boca era de qualquer boca, beijava com urgência seus lábios vermelhos e apalpava seu traseiro volumoso.

Quando parei para retomar o fôlego, não reconhecia meus atos. Mal conhecia aquela mulher, não a amava, mas era tudo o que tinha e precisava naquele momento: alguém que pudesse abraçar e chamar de minha! Resolvi saboreá-la um pouco mais. Afinal, não é todo dia que seu objeto de desejo também quer te consumir (sou politicamente correto demais para escrever “comer” aqui).

De súbito, meu rosto enrubesceu, larguei seus lábios, pedi um cigarro a um homem que parecia interessado em participar da cena e fui embora sem pagar a conta, dando baforadas descoordenadas. Quem lê pensa que tudo isso é verdade. Essa história ocorreu, parte na realidade, parte na imaginação fértil desse que vos escreve. Mas foi tudo assim, pelo menos na história que construí mentalmente a caminho do bar e escrevi ao chegar em casa.

Não sei se reconheceria aquela mulher se cruzasse com ela na rua. Será que era uma prostituta, apesar da aparência solitária e refinada? Como terá acabado a sua noite? Teria resistido aos olhares do homem que me deu um cigarro em troca da minha ausência naquele recinto? Minha fantástica máquina de criar se abstém de tentar teorizar sobre isso.

O estresse havia passado, o rosto estava quente, a língua anestesiada e a cabeça...Bom, essa estava melhor ocupada e agora com o cérebro mole, escorrendo pela caixa craniana.

– Mais uma dose de pinga, por favor!

***
Entre aspas: Se os fatos não correspondem à realidade, pior para os fatos. Nelson Rodrigues.

Entre aspas 2: Assim como a gente se arruma para sair, literatura é se arrumar por dentro. Deixar a solidão vistosa. Fabrício Carpinejar.

PS: Não me reconheço vivendo ou escrevendo essa história. Ainda bem que, teoricamente, só a Marina lê meu blog.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Joel manda notícias

Almoçamos juntos na Sé há apenas uma semana, mas Carol e eu já tivemos boas notícias de Joel - o pai de família em situação de rua, que nos apresentou o Pátio do Colégio, lugar onde nasceu São Paulo (leia como foi o encontro da semana anterior no post abaixo). Eram 14h30 de sábado (18), quando meu celular tocou, enquanto eu saía da lavanderia com meu paletó passado e seguia em busca de um restaurante barato para comer. Um telefone fixo e desconhecido me ligava. Era a cobrar e desligou quando atendi.

Os bônus que tenho da Oi para fazer ligações para fixo me ajudaram a retornar. Nem imaginava quem seria, a voz do outro lado tratou de se identificar logo: “É o Joel, tenho boas notícias”. Cumprimentei-o, e ele disparou: - Saí da rua e estou trabalhando!

Fiquei surpreso com a notícia e ele explicou: “o coronel disse que eu estava precisando de um trabalho. Estou em uma construtora”. Era, com certeza, a melhor notícia do dia. Ele saiu da rua, havia alugado um quarto no bairro do Bexiga e já começara a fazer um tratamento para cuidar dos dentes.

-Mas e a bebida foi fácil parar?
- Quando a gente ocupa a cabeça é fácil, né? Agora mesmo vim trazer uns trocados para o pessoal da Sé beber e não deu vontade nenhuma de tomar pinga - , afirma.

Ele era um cara de bom coração mesmo. Foi ajudado por um homem que chama de coronel, presidente da ong "Mudar" que auxilia pessoas em situação de rua. Agora, já dá os primeiros passos de volta à vida que tinha antes de ser traído pela mulher, cair na cachaça e chegar à indigência. Joel conseguiu sair dessa. Se tudo der certo, Carol e eu iremos à sua casa na praia em breve. Torcemos agora para que Eder, Isaías, Lucas e Jéssica, os personagens que perambulam pela Sé atrás de um pega e com os quais conversamos na semana passada tenham destino semelhante.

Entre Aspas: Sucesso é acordar de manhã – não importa quem seja, onde você esteja, se é velho ou se é jovem – e sair da cama porque existem coisas mais importantes que você adora fazer, nas quais você acredita, e em que é bom. Algo que é maior que você, que você quase não aguenta esperar para fazer hoje. Do jornalista Whit Hoss.

domingo, 12 de julho de 2009

Programa para um sábado B: Vá a Sé com a Carol e almoce com o Joel

Foi um sábado chuvoso aquele 11 de julho de 2009. Com temperatura amena e nenhuma previsão de sol, cheguei a pensar em desistir do programa daquele dia. Mas como chuva nunca foi um impedimento para eu deixar de fazer nada, resolvi que ajudaria Caroline Castro na sua matéria para a pós-graduação de Jornalismo Literário. Eu seria um estepe, ajudante de jornalista, que daria segurança para ela circular pela Sé e entrevistar pessoas em situação de rua no centro de São Paulo.

A minha força física sempre impõe respeito nessas horas (...). Quem nos viu chegar tão tímidos, com medo de abordar as pessoas que vivem na rua, não imaginaria que horas depois, iríamos acompanhados de um deles almoçar e fazer um passeio turístico pela região.

Quando saímos do metrô, os moradores da região estavam ali na estação de metrô, todos jururus, se escondendo da chuva. Demos uma volta para reconhecimento do local e paramos em frente a uma lanchonete com salgados que pareciam muito saborosos. Imaginamos os mendigos passando ali e admirando aquelas tentações...

A chuva estava apertando. Voltamos para a estação e lá olhamos para aqueles que milhares de pessoas fazem questão de não ver. Sentados no chão, em cima de colchas e mantas distribuídas pela prefeitura eles disputavam espaço em frente a uma interferência artística de Cláudio Torzi denonimada Colcha de Retalhos. Na parede, os cacos coloridos com mosaicos davam contornos à paisagem compostas por pessoas e elementos da natureza.

É ali, que dezenas de paulistanos se amontoavam tentando juntar suas vidas em torno de um mesmo objetivo: a busca pelo próximo pega. No corre-e-corre das vielas históricas da Sé, vão tentando esquecer o caco de gente em que se transformaram devido ao uso contínuo de drogas e vão fazendo das próprias vidas uma colcha de retalhos.

Num dos cantos, estão Paulista, Mineiro, Di menor e Pequena, membros da maloca da Rua Direita, que já foram chamados de Isaías, Eder, Lucas e Luana em tempos remotos. De volta a estaca zero de suas vidas, sem comida, roupas, familiares ou quaisquer condições mínimas de sobrevivência tentam se reencontrar no lugar que é o marco zero de São Paulo. Ali, onde a cidade começou, eles dizem que formaram uma família. A Sé, no entanto, é nada, é ilusão, ou apenas uma passagem, segundo Isaías, para quem a vida não tem mais sentido e a morte seria apenas um adianto.

Na sujeira e correria daquele lugar surge espaço para paquera. Fabiana olha para Eder, que joga charme para Fabiana, que devolve olhares conquistadores, que cai na conversa de Eder e se beijam. Ele diz que não confia mais nas mulheres, afinal, veio parar em São Paulo após ter sido traído pela esposa em Belo Horizonte. “Elas dão trabalho”, avisa.

Mas escondidos no canto, os dois voltam a ser apenas jovens e, assim como fazem muitos outros da mesma idade, se beijam após minutos de conversa e uma sintonia. Por segundos, se curtem e esquecem que não têm onde tomar banho, que passam frio a noite, que precisam correr da polícia para não apanhar, que a próxima alimentação é sempre incerta...

O rapaz começa a pensar em reconstituir seu coração e a reconstruir sua vida. Ele quer voltar para a capital mineira. Quando isso acontecer, provavelmente, nem irá lembrar de Fabiana. Nas passadas pela Sé, eles apenas ficaram. E, aquilo não pareceu significar muito para ambos.

A conversa tinha rendido e Carol conseguiu boas histórias para rechear a sua matéria. Estávamos famintos. Nem sei que horas eram, mas já devia passar das 15 horas e queríamos comer.

Despedimos-nos dos nossos entrevistados e iríamos alcançar a escada quando fomos abordados. Não sabíamos, mas nós que achávamos que estávamos no papel de observadores, também estávamos sendo observados. Um homem de 43 anos nos interpelou. Ele cheirava pinga e queria contar sua história. Tinha achado interessante o fato de a gente ter conversado com outros moradores de rua.

Foi ali, em pé, no meio do caminho dos passageiros que se dirigem para o metrô que Joel contou como largou a vida estável de arquiteto e virou mendigo. A Sé se transformou em escola. Ele que era da Igreja Congregação Cristã aprendeu a roubar, a bater, a agredir e ser agredido. Não usa outras drogas por que odiou o gosto, mas a pinga também é uma lição dessa nova vida.

Tudo começou com a traição da mulher com quem viveu por mais de 20 anos. Foi pra rua, beber com aqueles que sempre ajudou com moedinhas. O lugar que cruzava todos os dias para ir trabalhar virou moradia. Gastou os R$ 370 que tinha no bolso, os limites dos cartões de crédito do Visa e do Mastercard e nunca mais voltou pra casa.

Após seis meses na rua, os miúdos olhos verdes dão cor a um rosto sem vida e encoberto por uma barba grisalha por fazer. Os cabelos penteados para trás, como um pai de família, davam espaço para uma ferida no alto da testa, resultado de uma queda entre uma bebedeira e outra.

Joel quer sair dessa vida. Ele vai sair. Conta com a ajuda de uma ong e pretende em breve voltar para as antigas atividades. A ex-mulher e os dois filhos não sabem que ele está ali. Essas histórias devem ser contadas num livro que o arquiteto pretende escrever quando a Sé for apenas uma lembrança. Carol está esfomeada e quer almoçar. Ela se despede de Joel e ele se convida para almoçar com a gente. Vamos, na chuva, os três dividindo dois guarda-chuvas, em direção a uma lanchonete escolhida pelo arquiteto, que hoje dorme em uma das entradas do prédio do Tribunal de Justiça.

Comemos aqueles enormes pratos feitos, com bife, arroz, salada, feijão e farofa. Ele prefere o picadinho de carne e mandioca. Comemos rapidamente por conta da fome. Sobra muito arroz, alguma salada e feijão. O garçom nordestino que lembra um ator da novela das 7, que também interpreta um garçom nordestino, recolhe os pratos com as sobras. Apesar da dor no peito, deixamos que ele jogue fora os alimentos, enquanto tentamos nos compadecer pelas histórias daqueles que moram na rua e passam o dia sem comer...

Prefeitura, ongs e membros de igrejas distribuem roupas e comida. Eles passam o dia em busca de dinheiro para complementar a alimentação falha e na tentativa de conseguir saciar o vício em drogas. Joel descobre que não somos de São Paulo e diz que precisamos conhecer o pátio do colégio, onde o Padre Anchieta fundou São Paulo.

A chuva aumentou e nos abrigamos num dos recuos do Tribunal de Justiça, em frente ao Pátio do Colégio, justamente no local onde Joel e os amigos dormem durante a noite. Contemplamos a estátua de uma índia datada de 1925, que marca a construção da cidade. Depoisn corremos para tocar os sinos, como fazem todos os turistas que visitam o local. Ele badala forte e ecoa sobre o som da chuva que cai forte nos nossos guarda-chuvas e encharca os nossos pés...

Voltamos para a Sé já em tom de despedida. Joel é o nosso guia e nos leva antes ao marco zero da cidade.. Esse homem que ensina que estamos sempre a beira do fracasso, que qualquer um de nós pode ser um deles um dia. Deixa a lição de que também podemos abandonar essa vida. Ele diz tão veementemente que irá dar a volta por cima que não tem como não acreditar. Joel fica com nossos telefones e e-mail. Ficamos com o seu contato em Caraguatatuba e com a promessa de que um dia iremos passear em sua casa na praia.

Quando dissemos que poderíamos achar o endereço dele na cidade litorânea pelo Google, ele parece voltar ao passado. Google soa para ele como algo mágico que remete ao passado recente em que trabalhava na Avenida Paulista, mas que não faz parte do cotidiano que leva hoje. Os olhos brilham e refletem uma vida prestes a ser retomada.

A confiança foi mútua. Ele contou sua vida. Nós desarmamos a guarda, almoçamos juntos e tivemos o prazer de conhecer um ponto turístico e histórico de São Paulo na companhia de uma pessoa que está temporariamente em situação de rua, mas que tem tudo para sair dela.

A aventura estava completa. Carol e eu formávamos uma parceria ali. À noite, fomos para um bar brindar essa amizade. Ao invés, de um espaço requintado com música ao vivo e cerveja Original por R$ 6,50, preferimos andar mais umas quadras e parar num botequim no Bairro da Saúde, frequentado por motoboys e com Brahma a R$ 2,80. O lugar era o que menos importava. Interessava a companhia, a conversa e o prazer de ter encontrado alguém com quem dividir histórias de pessoas comuns. Ótimo programa para um sábado chuvoso em São Paulo que proporcionou aventuras e descobertas. Recomendo!

PS: Esse ainda não é um dos textos de diálogos de estranhos prometidos no post passado. Aguarde, aqui, em breve.

Entre Aspas 1: Experimente o caos. Quando algo sai do seu controle o mundo volta a respirar, a confusão pode ser doce, a perfeição pode matar. - John Ulhoa na música Woo! cantada pelo Pato Fu. Contribuição da Ana Lúcia Pires via Twitter num dia em que estava envolto com uma das minhas confusões mentais.

Entre Apas 2: Quando as coisas ficam estranhas, os estranhos viram profissionais. - Hunter Thompson.

Entre Aspas 3: O brasileiro está a beira do sucesso, mas foge do sucesso porque tem alma de vira-lata. Ele detesta o sucesso e prefere ficar roendo a própria solidão com um pedaço de rapadura (...) - Frase que teria sido dita num telefonema do céu feito por Nelson Rodrigues para Arnaldo Jabor.

Entre Aspas 4: Vou escrever a história informal da multidão sem terno. O que têm a dizer, sobre seu trabalho, seus amores, sua alimentação, farras e desgostos [...] A história oral é uma mistura enorme e um caldeirão de coisas ouvidas, um repositório de verborragias, uma coleção de baboseiras, conversas, falas solenes, insanidades verbais, asneiras e absurdos. - Joe Gould.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Palavras em fúria

Tenho cada vez mais vontade de escrever. De publicar meus textos aqui, de interagir com o mundo. Tenho achado os meus textos cada vez mais objetivos, diretos, secos. Sem vida, ruins e burocráticos. Isso não é para chamar elogios. Não adiantariam. Escrevo para mim, mas o resultado não tem me agradado.

Mesmo assim, há uma fúria em escrever. Boa parte incentivada por Débora e Marina. Amiga recente e amiga antiga que acabam de estrear no mundo dos blogs (leiam em http://imagemeletra.wordpress.com e http://www.serei-breve.blogspot.com) e estão com toda voracidade de escrever. Elas me impulsionam. Assim, como o Hélio, que publica cada vez menos em seu blog, mas guarda em seu arquivo preciosidades adoráveis (www.heliofilhoagain.blogspot.com).

A inspiração vem sempre no mesmo horário: entre 18 horas e 18h30 durante a caminhada de volta para casa depois de um dia de trabalho. Isso não tem preço. Carro nenhum substitui – ainda bem que não pretendo ter um a curto e médio prazo....

Talvez eu devesse escrever sobre pessoas. Essas que a gente vê na rua. Sobre suas conversas. Não grandes diálogos, mas essas conversas entrecortadas que ouvimos enquanto estamos passando por elas na rua. Isso aguça meus sentidos, minha curiosidade. Gay Talese diz que para o jornalista é mais importante curiosidade do que o diploma. Tenho os dois. E ideias também: tenho um projeto de escrever historinhas de ficção (ou não) a partir dessas frases soltas vindas de pessoas estranhas. Não copie a sacada e tenha paciência. Em breve concretizo aqui.

PS: Fiz dois textos sobre São Paulo e não falei do quanto é caro viver aqui? Como assim?! Minha conta já está no vermelho e o mês nem começou. Os dígitos negativos só tendem a aumentar até o fim de julho. Fazer o quê? Vou curtir a doce hipocrisia da classe média e arrotar paulistanesias por aí...

Entre Aspas I: Perguntaram a Picasso sobre a sua inspiração. E ele: ‘Ah, se ela viesse quando estou trabalhando’. Frase sem identificação de autor.

Entre Aspas II
: Um bom texto se faz sozinho. Se a mão está feliz, o texto sai bom. Autor desconhecido por mim

Entre Aspas III: Eu escrevo para me livrar de mim mesma. Catherine Millet

Paulicéia desvairada

Buzina, urina e cinza. São Paulo não é isso, é isso, é mais que isso. Achei o meu último texto injusto, limitado. Agora toda vez que saio na rua fico com vontade de acrescentar o post anterior. Talvez se escrever sobre o que vejo a cada dia, ao final de um ano, a reunião de todos os meus textos ainda não contemplará o que é São Paulo.

Essa metrópole é muito. É 120 quilômetros por hora, é sempre no superlativo. Para ligar tudo isso, só mesmo o metrô. A melhor invenção do homem na modernidade. Não dá para imaginar a cidade sem ele. No começo, era quase uma aventura. Aquela coisa do caipira que acha o máximo se transportar dessa forma. Pin-dôôôn!!! Hoje corro e entro no vagão mesmo após o apito que avisa que as portas vão se fechar. Agora é cada vez mais corriqueiro utilizar o metrô (mesmo não pegando todo dia), mas ainda acho o máximo atravessar a cidade em 20 minutos...

São 455 anos de história, museus com quadros de Picasso, Van Gogh, esculturas, fotos e tantas outras coisas que tem até espaço, para as próprias pessoas se transformarem em museu (www.museudapessoa.net). São shows, peças e baladas que só acontecem aqui. Filmes culturais exibidos gratuitamente a cada fim de semana em um festival diferente. Tem as pessoas produzidas em série – como dizia a Maureen -, que usam as mesmas roupas e cabelo e se comportam da mesma forma, e os malucos que de tão estranhos, tenho certeza, que são cópias únicas.

A sede das grandes empresas, o local dos meganegócios, as referências e os modelos que são replicados no restante do País. A cidade encanta, atrai e te engole. Te consome e te prende a sua loucura. Afaga ao receber e te dar de bandeja todas as oportunidades ao alcance de suas mãos.

Os paulistanos não são fechados como se pinta por aí. Pelo menos, é bem mais aberto que o campo-grandense. Estão sempre dispostos a dar informação. Até por que aqui ninguém domina a cidade toda e uma hora ou outra sai da condição de informar para pedir informação. Ainda estranho quando pedem informação para mim. É mais estranho ainda quando eu sei responder o destino questionado.

Adoro meu anonimato. Vou ao supermercado, ao cinema, ao shopping, ao bar e não conheço ninguém. Não há semi-conhecidos vigiando meus atos e seguindo meus passos. De onde sai tanta gente às 7 horas na Sé? É impressão minha ou São Paulo está sempre a beira do caos? Como são Paulo consegue dar certo? Que misterioso mecanismo não deixa a cidade degringolar de vez?

São Paulo ás vezes acha que é Paris. Na sofisticação forçada, na maneira de se vestir, no jeito de se comportar... Aqui o amor homossexual é livre e esse tipo de casal está em todos os lugares. Tem sempre alguém te vendendo algo, querendo que você consuma determinado produto.

Como é ruim o atendimento no comércio aqui. O porteiro, o garçom, a atendente da padaria, o cobrador, nenhum deles faz questão de serem simpáticos e bem servir. Os emos estão por toda a parte. O mapa do estado de São Paulo fica sempre sob nossos pés, nas calçadas que num jogo de branco e preto formam o contorno geográfico de SP.

O povo da baixada santista e do ABCD leva até duas horas e meia só para estar aqui diariamente usufruindo desse turbilhão de coisas. Na balada, não estranhe se o telão com profusão de imagens reproduzir cenas dos programas policialescos de fim de tarde. A vida possui outro ritmo. As pessoas são ligadas no 220 watts. É até difícil dormir com tanto estímulo. É mais complicado ainda terminar esse texto com tanto a dizer, com certeza de que amanhã caminharei pelas ruas e perceberei tantas outras coisas que não foram ditas aqui. Mas, por ora, it’s all that.