sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Eu moraria em São Paulo

Vista do alto a cidade parece um cemitério: concreto por todo lado, muito cinza e sujeira. Mas São Paulo ferve. É um centro cultural, um conglomerado de pessoas e de coisas que se cruzam e convivem no mesmo espaço - extremamente urbano. No entanto, na cidade também há paz. Ouvi patos coaxarem e vi cisnes no lago do Parque Ibirapuera.

Na Avenida Paulista, você não precisa de um programa específico, pode sentar em um banco qualquer da rua e reparar nos tipos humanos que transitam ali. É a diversidade! Quanta gente diferente dividindo a mesma calçada, caminhando apressadamente em direção a algum lugar. O barulho do trânsito parece não incomodá-los mais, falam ao celular, ouvem MP3, usam óculos escuros...

No Masp, terá a sensação de já conhecer o lugar, afinal é famoso pelas telas da TV. No museu quadros de Picasso, Monet, Renoir, Tolouse Lautrec, Van Gogh, Modigliani, entre outros que você só viu em livros ou pela Televisão. Juntos, proporcionam um sensação incrível de saciedade.

O paulista tem muitas caras, muita diversidade, é muita gente junta... Saí do museu e meu programa foi sentar numa mureta e ver pessoas passando apressadas voltando pra casa... E, eu tenho uma péssima mania de procurar gente conhecida nos lugares, lá não achei ninguém, daí fiquei tentando achar semelhanças: esse parece com não sei quem, esse lembra aquele outro...

Viajei pelos tipos humanos, e de repente, percebi que estava numa roubada, a minha volta apenas jovens com cara de alternativos, todos fumavam, e lá pelas tantas percebi que não era cigarro. Se a polícia chegasse ali, com certeza eu iria preso com eles. Se é que alguém é preso em São Paulo por usar drogas embaixo do Masp...

Entre num sebo da Avenida Paulista e compre muitos livros, uns seis pelo menos. Não gastará mais que R$ 40 e terá muitas obras para se deliciar. Títulos que você só encontra nesses lugares peculiares com vendedores que são verdadeiros tipos – interessantes e engraçados.

Palavras

No Museu da Língua Portuguesa, você aprende que não existe humanidade sem língua. “É ela que organiza crenças e o sistema. Faz ser quem somos. É a nossa identidade, nosso retrato”, afirma o locutor do vídeo, que começa repetindo diversas vezes a seguinte passagem: “penetra surdamente no mundo das palavras”. Ao todo 200 milhões de pessoas falam português nos cinco continentes.

O lugar é o que há de bom no Planeta! Poemas, vídeos, informações interativas, exposição sobre Clarice Lispector... Isso tudo na Luz, uma estação que fica em um prédio antigo lindíssimo, tudo perfeito, tudo São Paulo! Para as pessoas era o caos, a cidade estava sem metrô, para mim tava tudo ótimo.

No Parque Ibirapuera, andei de patins, bicicleta, espaireci, vi cisnes no laguinho... Sim, há paz também. Eu moraria em São Paulo, fiquei apaixonado pela cidade. Fui ao Museu de Arte Moderna e almocei em restaurante para gringos. Comida boa e nem tão cara assim, nada que um cartão de crédito não resolva.

Falso conejo

Na Barra Funda, há um lugar em que tudo converge. É estação de metrô, de trem, de ônibus urbano e intermunicipal. Ali fica, dentre outros comércios a Lotérica Adeus Patrão - o sonho de todo o brasileiro. As pessoas caminham dispersamente, uma sem perceber a outra até que ouve-se uma mulher gritando. O terminou todo parece parar para ouvi-la. No orelhão, ela discute com a pessoa do outro lado da linha. “Eu não acredito que você é casado, que me enganou todo esse tempo... Ah! não é? Então, me passa o endereço da sua casa que eu vou até aí”, branda em alto e bom som.

Uma aglomeração de gente pára para assistir a desgraça alheia, a mulher ousou interromper a “ordem” e o combinado oculto de convivência, que diz para uma pessoa não interferir no caminho da outra. Ela se enfurece, desliga abruptamente o telefone, e passa na minha frente marchando firme.... Segue - sob olhos atentos da multidão que atraiu - rumo a um guichê que vende passagem de ônibus intermunicipal.

De repente, ela desaba, e começa a chorar. Ela espera na fila e o seu mundo parece ter acabado, está desolada. As pessoas olham, admiram, comentam e do mesmo lugar que ela apareceu, se vai... Perdi-a numa pequena distração. Para onde terá ido? Como será que resolveu aquela situação? Mais algumas perguntas que a vida nunca vai nos responder...

Do Terminal da Barra Funda, saio em frente ao Memorial da América Latina, estou instalado a duas quadras dali. O Memorial é um centro do Mercosul. Naquele final de semana abrigou a Festa da Independência da Bolívia, comemorada no dia 6 de agosto.

Na festa, podia-se comer coisas típicas do país vizinho: fritanga, fricasse, chicarron, salchipapas, falso conejo e pique a lo macho, na via das dúvidas fico com a boa e conhecida saltenha. Alguém (além da Vivi) já ouviu falar no dia da independência da Bolívia ou nessas comidas típicas? Pensei em quão pouco conhecemos um país tão próximo.

Ao som de um ritmo chamado cumbia e trajes típicos, os bolivianos radicados em São Paulo faziam brilhar seus olhos pretos puxados, acompanhados de cílios grandes e negros. Os cabelos lisos e pretos estavam trançados, as vestes eram coloridas e compostas por lenços no pescoço. Os bolivianos vivenciavam sua cultura e matavam a saudade da terra natal, falavam a língua pátria e estavam visivelmente felizes.

Pôr-do-sol

No fim de tarde no Parque da Luz. Sente-se num banco. Atrás de você mulheres de mais de 30 e batom, conversam. Elas reclamam que só podem ver os filhos no fim de semana. As crianças de uma delas, fica com a avó. O filho da outra passa a semana toda sozinho em um apartamento. É compensado com um passeio no Shopping junto com a mãe, aos domingos. Uma terceira leva os filhos para passear em um parque.

Elas têm muito em comum: uma vida corrida, e muitos problemas a enfrentar. Um deles é quando seus clientes querem remunerá-las com cerveja. Falam abertamente, parecem não me ver. Eu? Finjo que estou em alfa mental, olho para o nada. Em nenhum momento dizem que são trabalhadoras do sexo, mas agora, depois de trabalhar no IBISS|CO, já consigo perceber isso sozinho...

São mulheres batalhadoras, que vivem o drama de milhões de brasileiras: o de sair para trabalhar e deixar os filhos. Não têm tempo para criação deles. Elas possuem outro padrão de beleza. Não são magras, nem loiras, nem têm mais 20 anos. São feias? Talvez. Sei que são charmosas e atraem os clientes por meio do olhar e assim conseguem grana para sustentar os filhos e alguns familiares.

Ao lado, na Pinacoteca, um prédio de tijolinhos à vista, em frente a Estação da Luz, estão várias exposições. Uma fotográfica: com três olhares de fotógrafos diferentes sobre a Rússia; outra expondo obras e imagens do Palácio Soberano de Versalles, da França; além de esculturas e pinturas modernas do acervo permanente. Cultura de graça e sexo pago ali no centro paulistano.

Da Pinacoteca, quero chegar a Estação Pinacoteca, outro lugar em que acontecem exposições. O guarda me aponta o local, fica a duas quadras dali. O problema é que o ponto é conhecido como cracolândia, e eu carrego sacolas da manhã de compra no comércio do Bom Retiro. Enfrento o desafio, o máximo que vejo são pessoas que moram na rua e usam drogas.

No sábado foi a primeira vez em que me bateu o cansaço, afinal andei muito, bati muita perna nas ruas da grande São Paulo. O metrô está de volta, para alegria do paulistano. No dia anterior, no meio do “caos”, da São Paulo sem metrô, foi a vez em que vi mais humanos juntos. Os jornalistas se aglomeravam para captar o melhor ângulo, eram abutres em cima dos problemas do povo.

Nenhum deles parece notar as pessoas e seus aflitos, se interessam apenas por explorar sua dor... Nos muros, cartazes do movimento da negação da negação que prega que as escolas, faculdades e fábricas falidas sejam invadidas... Viva a revolução e o MNN!!!

O loquinho (como diz minha avó)

No domingo, fui ao mercadão, comi sanduíche de mortadela e pastel de bacalhau, pratos típicos do local, foi meu almoço. Na Paulista, fui ao cine da TV Gazeta, assisti a um filme francês chamado “Medos privados em lugares públicos”. Na segunda, meu último dia na cidade, fui a Rua 25 de marco e na USP. Almocei no restaurante da Escola de Comunicação e Arte e estive na sala da Cremilda Medina - pela primeira vez em SP senti vontade de tirar uma foto: na porta, com o nome dela!

A viagem foi de avião. As pessoas me amedrontaram, afinal fazia um mês da queda do avião da TAM. Não tive receios, mas na hora em que ele subiu senti uma leve tontura, no entanto correu tudo certo: vôo no horário, pouso sem traumas, malas na esteira certa... Só demorei pra sair do aeroporto, tinha fila pra sair! E demorei 30 minutos nela, metade do tempo de vôo Campo Grande - São Paulo. Fiquei de 2 a 6 de agosto na capital de São Paulo, tempo muito bem aproveitado e intensamente vivido. Agora quero mais!

Entre Aspas: Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Clarice Lispector em A Descoberta do mundo. A frase do livro, da minha autora predileta, fazia parte da exposição sobre ela, na Estação da Luz.

PS: Não podia deixar de contar que vi o Luiz Fabiano, aquele ator que fazia propaganda das Casas Bahia (quer pagar quanto?). Ele estava andando na Paulista falando no celular. Gestos largos e jeito delicado... Caminhava a passos lentos e parecia combinar um programa com alguém...

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