domingo, 13 de junho de 2010

O caminho da literariedade

Era um menino que gostava de escrever. Adorava os telejornais, o caderno infantil dos jornais, os gibis e os livros. Os textos eram sempre criativos, longos, fluídos e elogiados pelos professores da escola. A escolha da profissão foi um processo natural, sem dúvidas. Era jornalismo o curso que eu queria.

Eu, negro, de família humilde, de um bairro de periferia de Campo Grande (MS) ingressava na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Não sabia o quanto aquilo representava. Um mundo novo se abriu. Vários mundos se apresentaram. Logo de início, conheci as narrativas, o jornalismo humanizado e sistêmico. Fui aprendendo a mesclar razão e emoção, ser ético e cuidar da estética do que eu escrevia. Aliar objetividade e subjetividade. Assim fui construindo como jornalismo. A cada capítulo da história, dessa história que é minha, fui me forçando a melhorar, a buscar mais.

Conhecia o Texto Vivo, sabia da pós-graduação de Jornalismo Literário, mas achava-a distante. Terminei a graduação escrevendo um livro-reportagem que contava a história de cinco famílias que adotavam crianças. Lá estavam as narrativas, a imersão, a subjetividade, a humanização. Queria continuar estudando. Fiz pós-graduação em Teorias e Práticas Contemporâneas do Jornalismo, a única em jornalismo que existe na cidade quente de 800 mil habitantes em que nasci e cresci.

Lá havia uma disciplina de Jornalismo Literário e foi nesse caminho que segui na monografia. Li textos feitos com técnicas de Jornalismo Literário, pesquisei e quase vim para o seminário em 2007 organizado pela Academia Brasileira de Jornalismo Literário. Campo Grande tinha ficado pequena. Meu desafio lá era conhecer e tentar praticar JL. Impossível em meios tradicionalistas que nunca ouviram falar na prática e estavam poucos dispostos a mudar.

Em 2008 decidi que aquele seria meu último ano em Mato Grosso do Sul. Quando ocorreu a semana de Jornalismo da Uniderp, uma universidade privada local, fui convidado a participar de uma mesa-redonda. O tema do encontro naquele ano era Jornalismo Literário. A abertura foi com Edvaldo Pereira Lima. Eu me esbaldei. Articulei uma entrevista e consegui página inteira para falar de Jornalismo Literário em um jornal que fazia questão de ignorá-lo.

Vir para São Paulo era uma questão de tempo. Fui mantendo contato com Edvaldo e sabia que a pós começaria em fevereiro/março de 2009. Fui preparando para fechar minha vida em Campo Grande e começar do zero em São Paulo. Economizava grana, terminava a monografia da outra pós e ia tentando olhar para fora do meu quadrado.

O ano terminava e sabia que a mudança era inevitável. Ela latejava dentro de mim. Na chegada de 2009, sabia que aquele não seria um ano como os outros. Era a chegada de aquário, hora de inovar. Tinha que comunicar minha decisão à minha mãe, ao jornal em que trabalhava e aos amigos. Assim o fiz. Todos olharam com desconfiança. Muitos me acharam corajoso. Alguns temerosos, recomendaram parcimônia – Será que é a hora? Não é melhor esperar essa crise mundial passar? – questionou um colega de jornal. Respondi que aquela era a minha hora e que estava disposto enfrentar desafios e correr riscos.

Mesmo que não conseguisse me firmar em São Paulo, sabia que naquele momento precisava sair. Fui me desligando do jornal, as relações com as pessoas ficavam mais intensas. Cada amigo que encontrava na rua dava um aperto no peito, podia ser a última vez que o veria em muito tempo. Mandei minha ficha com dados e recebi o boleto para pagar a matrícula. As coisas começavam a se concretizar.

Recebi um e-mail da secretaria da pós pedindo documentação. Fiquei de enviar pelo correio e protelei até que pudesse entregar pessoalmente no primeiro dia de aula. Alguns amigos ainda aconselhavam que não pedisse demissão e que apenas saísse de férias do jornal em que trabalhava. Eu dizia que não adiantava, que era teimoso, que um mês era pouco para arranjar emprego em São Paulo e que, por mais que não tivesse dinheiro para me bancar muito tempo na cidade sem trabalho, iria resistir até onde pudesse.

“Jornalismo Literário?!” Alguns torciam o nariz. Eu sempre falava empolgado, com paixão nos olhos, brilho e sentimentos que acabavam convencendo que aquela era a atitude certa. Uma história com muitos coadjuvantes, amigos que incentivaram, ponderaram e que sentiram minha ausência. Sentimento recíproco de quem encerrou um ciclo em 28 de fevereiro de 2009 (último dia em que trabalhei no jornal) e começou um novo em 2 de março (o dia em que cheguei em São Paulo, o primeiro dia de aula). Aqui estou eu, empregado, contando essa história, construindo novas histórias, pronto para viver esse sonho possível que a cada dia se concretiza.

[5 de maio de 2009]

Entre Aspas I: Seja a mudança que você quer ver. Autor desconhecido por mim.

Entre Aspas II:Para ter algo que nunca teve, é preciso fazer algo que nunca fez. Autor desconhecido por mim.

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