Quando a vida para
Os passos apertados, a pressa dos carros, o relógio
que teima em não parar. O tempo parece disputar uma corrida e nos leva para
longe, para frente e sem sinais de pestanejar. Mas já perceberam que, ás vezes,
a vida para?
E nada do que urgia passa a fazer sentido.
No quarto de hospital, o agora paciente repensa seus atos, suas relações, tenta se
fortalecer para voltar ao circuito. A dor de garganta de uma semana virou um
câncer na outra. E nesse pedaço de mundo, a vida parou para comemorar a
primeira palavra que pronuncia após a cirurgia. O braço que está mais
desinchado. O ar que entra mais suave nos pulmões.
O
que está lá fora perdeu sentido, seja o carro que lhe espera, a conta de luz
com uma nova taxa, a casa fechada que empoeira...O filme agora é um retrato do
711, as gotas que caem do soro, a enfermeira que trocou de plantão e voltou
para cuidá-lo, a cortina que treme na janela (...)
Na
cozinha do apartamento os amigos se reencontram num bate-papo animado azeitado
pelo cheiro de cebola e bacon que fritam na panela. Os casos, o trabalho, a
família e os novos amigos vão sendo ressignificados numa conversa regada com piadas
internas, abraços afetuosos, risos sinceros e um almoço que faz mais sentido no
fazer do que no ficar pronto. A vida se passa ali naquele quadrado e eles
parecem não se importar mais com o resto.
Da
cama vem os pedidos para que o mundo pare e tudo se resuma aquele momento e que
possam viver todos os seus dias trocando carinhos. Ele descobre uma nova pinta
no corpo amado, que teima em lhe provocar atiçando seu ponto mais sensível.
Riem, se abraçam, se beijam. Os pés, as mãos, os órgãos genitais...nada se
desgruda. Tem cócegas no bumbum. Sente aflição ao ser tocado na nuca. De
repente se dão conta que não dá para ficar presos nesse quadrado e vão tomar
banhos juntos. Um dá banho no outro. E o que mais faz sentido? Se amam e só querem ficar
congelados nesse ato.
Mas
do quarto do hospital, da cozinha ou da cama, todos precisam sair e acelerar de
novo. Só para depois esquecer de tudo, brecar e curtir a brisa do tempo parado.
E no fim é para esse não-tempo que todos nós caminhamos.
(3
de maio de 2013)
Entre
Aspas: Não há intimidade maior do que o silêncio. Clarice Lispector.
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