Esse
lugar é o centro das contradições. É aqui que se mostra o
preconceito, que se vive a diversidade, que não se respeita os
direitos. É lá que se discrimina, que é possível ter alegrias e
sofrimentos.
É
por ali que passa a travesti indo para o trecho, a patricinha para a
faculdade, o peão para a cidade, o hippie para o Parque de
Exposições, a doméstica para a casa da patroa...
E
acolá (bem em frente ao terminal), o grafiteiro colore o prédio
abandonado, o bombeiro treina, o fanático prega, o carteiro
seleciona correspondências, o mecânico se suja, o negro carrega
caixas com verdura e a menina que terminou o Ensino Médio vende
brinquedos.
A
senhora tem a coluna encurvada, os cabelos brancos, os olhos claros.
A pele branca é marcada por rugas. O único traço de beleza são os
miúdos olhos verdes e a presilha que prende o coque: - É menino ou
menina, ali de vermelho? – interroga, se atrevendo a interromper o
silêncio e invadir o pensamento alheio.
-
Menino – é a resposta. Ela se espanta e olha mais uma vez
sacudindo a cabeça e sentenciando: - A gente vê cada coisa nesse
mundo! Ela volta ao silêncio. A cabeça daquele que foi questionado
fervilha: - É evangélica! – conclui.
O
menino de camiseta vermelha tem cabelo curto, usa calção e chuteira
e tem trejeitos masculinos. Está junto a um grupo de cinco meninos.
Um deles é bem mais alto e se destaca do grupo. É magro e usa
cabelo cumprido, boné e mochila. Eles não têm mais do que 16 anos.
Outro é visivelmente extrovertido, falante e brincalhão. Ele faz
“carinho” no menino de vermelho. Os cinco meninos atravessam o
terminal conversando. O extrovertido massageia a mão do de vermelho.
O gesto simples entre dois amigos escandaliza a velha. A camisa de
uma deles denuncia: “handebol”. São meninos que jogam handebol e
utilizam as mãos para as jogadas... Mas os olhos daquela senhora já
estão gastos e viciados e não conseguem mais ver. No que ela
enxerga, há diferença.
Cabelos
exageradamente loiros, praticamente brancos. Muito escovado. O rosto
exibe traços marcantes, rugas fortes e bem definidas. Com jeito
sexy, se escora na barra do ônibus. As roupas são decotadas e
chamativas. Tem mais de 50 anos, é negra e não poderia ser taxada
de bonita. “É uma trabalhadora do sexo” – pela maneira que
encara, pelo olhar lânguido e perdido, pela boca excessivamente
vermelha, pelos seios apontando pela blusa sem sutiã...
O
lobo-mau é fiscal no terminal. A rima não é intencional. Pedro
cuida dos horários dos ônibus no Terminal Morenão, em Campo
Grande. Nas horas vagas ele é o lobo-mau da peça “Chapeuzinho
Vermelho”. Ele é ator, aqui é mais um que passa despercebido.
Outro
usa gel, topete, tem olhos claros, cara de menino e lembra um amigo
de infância. Também passa em meio as pessoas, organizando, anotando
e se perdendo na multidão. Usam camisa azul e calça social preta.
No meio da multidão que espera um ônibus, todos são mais um, na
sua diferença e igualdade. Eu? Sou mais um deles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário