sábado, 21 de abril de 2012

Noite – o início, o meio, o fim


Um prostíbulo é um bom retrato da noite e das relações humanas. O movimento começa crescente, com expectativa, maquiagens vistosas, perfumes exalando, roupas no ponto, música animando e luzes em flashes.

Os primeiros a chegar se acham sortudos. As primeiras conversas são tímidas e vão ficando animadas. Por aqui, também há jogo de sedução. É um teatro em que os homens fingem que precisam conquistá-las e elas fazem charme dissimulando que não é nada disso.

O ponteiro ultrapassa meia noite. A bebida vai deixando o ambiente mais alegre. E, talvez haja um momento que seja o ápice de tudo isso, mas é tão difícil captá-lo. Acho que mesmo que soubéssemos identificá-lo, continuaríamos ali, tentando prorrogar o prazer. Mas devíamos mesmo ir embora.


A partir daí, a noite cresce. A música fica mais frenética, as luzes mais piscantes, o tilintar de bebidas mais constante. Começa aparecer o suor, a maquiagem ameaça abandonar, as camisas já estão amarrotadas, o perfume renovado já não é mais tão fresco.

A vida se encaminha para um momento triste: o fim da noite. Cada segundo que o relógio levanta parece pesar anos na cara e nos ânimos das pessoas. As músicas já não animam mais, a maquiagem já não enfeita (as mais pesadas vão ficando parecidas com a de um palhaço triste). A melancolia vai abatendo um a um dos presentes.

O tesão passou. Não haverá mais beijos, disposição para o sexo, dinheiro... As mais velhas são as que mais se desesperam. Rebolam freneticamente e parecem querer cumprir a promessa do guarda que atrai os clientes para casa afirmando que levarão “xoxotada na cara”.

Nesse momento, são mulheres tristes. Há pouca beleza no ar. Uma moça de 20 anos conta dos dois filhos que ficaram com a mãe em Minas. O pole dance está vazio. Uma delas cochila no sofá. As gargalhadas dos rapazes e o jogo de olhares e mãos deram lugares à postura largada, desânimo e a pensar em desistir dali.

É nesse momento, que aqueles que restaram questionam a presença, a alegria, a beleza, a bebida... Mas no fundo sabem que é na noite, mais especificamente no começo dela, que mora a esperança. E isso os atrairá muitas e muitas vezes, por mais desiludidos que estejam agora, às 5h40 da manhã.

Entre aspas: Queria ressentir agora o carinho e a dignidade do começo da noite. 19h15: tudo iluminado, cheio de vida, pessoas vindo, sorrisos brancos, pessoas musicais, perfumes importados... 5h40: tudo muda, tudo se desmancha, o mundo se desmancha. Só restam algumas, não são pessoas: é um pequeno exército de espectro, de gente que não deu certo, pelo menos não ontem. Restam as sobras da noite de ontem. Sobra – de gente –, que foram bonitas e inteiras. Não mais. As pessoas vão deixando seus pedaços. Somos o que sobrou de ontem, esquecidos por todos – até por nós mesmos. Nada é o que parece ser, às 5h40 da manhã. A gente não é o mesmo que volta. Afinal, nunca entramos no mesmo rio duas vezes. De uma travesti, personagem da peça Marulhos – caminho do rio, do Grupo Redemoinho.

Entre aspas 2: Há toda uma promoção tenaz e profissional na noite (...) mas está todo mundo no extremo limite da loucura e do suicídio. É uma excitação sem desejo. É uma obscenidade sem prazer. É um deserto interior, deserto inconsolável, sem uma pia, sem uma bica. E todo mundo, ali, tinha a cara vingativa dos suicidas. Nelson Rodrigues.

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