Os primeiros a chegar se
acham sortudos. As primeiras conversas são tímidas e vão ficando animadas. Por
aqui, também há jogo de sedução. É um teatro em que os homens fingem que
precisam conquistá-las e elas fazem charme dissimulando que não é nada disso.
O ponteiro ultrapassa meia
noite. A bebida vai deixando o ambiente mais alegre. E, talvez haja um momento
que seja o ápice de tudo isso, mas é tão difícil captá-lo. Acho que mesmo que
soubéssemos identificá-lo, continuaríamos ali, tentando prorrogar o prazer. Mas
devíamos mesmo ir embora.
A partir daí, a noite
cresce. A música fica mais frenética, as luzes mais piscantes, o tilintar de
bebidas mais constante. Começa aparecer o suor, a maquiagem ameaça abandonar,
as camisas já estão amarrotadas, o perfume renovado já não é mais tão fresco.
A vida se encaminha para um
momento triste: o fim da noite. Cada segundo que o relógio levanta parece pesar
anos na cara e nos ânimos das pessoas. As músicas já não animam mais, a
maquiagem já não enfeita (as mais pesadas vão ficando parecidas com a de um
palhaço triste). A melancolia vai abatendo um a um dos presentes.
O tesão passou. Não haverá
mais beijos, disposição para o sexo, dinheiro... As mais velhas são as que mais
se desesperam. Rebolam freneticamente e parecem querer cumprir a promessa do
guarda que atrai os clientes para casa afirmando que levarão “xoxotada na cara”.
Nesse momento, são mulheres
tristes. Há pouca beleza no ar. Uma moça de 20 anos conta dos dois filhos que
ficaram com a mãe em Minas. O pole dance está vazio. Uma delas cochila no sofá.
As gargalhadas dos rapazes e o jogo de olhares e mãos deram lugares à postura
largada, desânimo e a pensar em desistir dali.
É nesse momento, que aqueles
que restaram questionam a presença, a alegria, a beleza, a bebida... Mas no fundo
sabem que é na noite, mais especificamente no começo dela, que mora a
esperança. E isso os atrairá muitas e muitas vezes, por mais desiludidos que
estejam agora, às 5h40 da manhã.
Entre
aspas: Queria ressentir agora o carinho e a dignidade do começo
da noite. 19h15: tudo iluminado, cheio de vida, pessoas vindo, sorrisos
brancos, pessoas musicais, perfumes importados... 5h40: tudo muda, tudo se
desmancha, o mundo se desmancha. Só restam algumas, não são pessoas: é um
pequeno exército de espectro, de gente que não deu certo, pelo menos não ontem.
Restam as sobras da noite de ontem. Sobra – de gente –, que foram bonitas e
inteiras. Não mais. As pessoas vão deixando seus pedaços. Somos o que sobrou de
ontem, esquecidos por todos – até por nós mesmos. Nada é o que parece ser, às
5h40 da manhã. A gente não é o mesmo que volta. Afinal, nunca entramos no mesmo
rio duas vezes. De uma travesti, personagem da peça Marulhos – caminho do rio,
do Grupo Redemoinho.
Entre
aspas 2: Há toda uma promoção tenaz e profissional na noite
(...) mas está todo mundo no extremo limite da loucura e do suicídio. É uma
excitação sem desejo. É uma obscenidade sem prazer. É um deserto interior,
deserto inconsolável, sem uma pia, sem uma bica. E todo mundo, ali, tinha a
cara vingativa dos suicidas. Nelson Rodrigues.
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